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Oswald de Andrade, o sol inimigo da piada

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Por IELA em 10 de setembro de 2015

Oswald de Andrade, o sol inimigo da piada

Entrevista com o professor Gilberto Felisberto Vasconcellos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Feita por Guilherme Gravina Pereira
Professor Gilberto Felisberto Vasconcellos, as Jornadas Bolivarianas de Santa Catarina contarão novamente em setembro com sua presença, na qual o tema abordado será literatura e política na América Latina. O senhor desenvolverá sua conferência sobre Oswald de Andrade em relação ao labirinto colonial. O que é isso?
– Esdrúxulo é falar de um autor que nunca teve por tema a América Latina. Esta não foi o forte de Oswald de Andrade, o qual pouca ou nenhuma influência recebeu de escritores latino-americanos. Nele não aparecem Mariátegui, Manuel Ugarte, Arturo Jauretche, Jorge Abelardo Ramos. O único país latino-americano que conheceu foi o Uruguai, para onde viajou em 1928 com Pagú a fim de, recém-convertidos ao marxismo, encontrarem Luis Carlos Prestes. Famoso encontro que se deu em um café de Montevidéu. Depois Oswald ingressou no Partido Comunista brasileiro e deu uma guinada em sua vida e obra de escritor modernista, ou seja, deixou de ser liberal para se tornar socialista. Poderia ter vindo para o Rio Grande do Sul. Encontraria com 23 anos o guri Leonel Brizola em 1945 por dentro que o imperialismo tinha derrubado Getúlio Vargas, o que de São Paulo o tarimbado Oswald de Andrade não percebeu. De consequências inimagináveis seria um acorde Brizoloswald. Lastimável não ter acontecido esse encontro dos dois baixinhos geniais. 
É um espanto mas não deixa de ser verdade que os intelectuais brasileiros somente deixaram de dar as costas para a América Latina depois do golpe de 64, que ensejou o exílio e a diáspora pelo Continente. Eu diria que foi essa a primeira geração de brasileiros que efetivamente latino-americanizou-se. O Brasil é um tremendo bobão dentro da América Latina, um irmão grandão metido a besta sob as ordens dos gringos. Aqui foi o Sul que venceu, lá foi o Norte. O domínio imperialista está ancorado na desigualdade regional. Paulista porreta é dissidente da São Paulo subimperialista. Oswald de Andrade morreu em 1954, mais ou menos com a mesma idade que partiu Karl Marx. Deixou obra que ainda hoje desperta enorme interesse e tenho certeza de que será lida lá pelos anos 2500.
Por que conectar Oswald de Andrade e política na América Latina?
Infelizmente depois de 1954 Oswald de Andrade foi desconectado do marxismo. O totem amado por todos é o capital estrangeiro. Por isso copulamos com a telenovela e a emepebexéu. Rogério Sganzerla gostava da seguinte frase de Oswald de Andrade, tantas vezes citada pelo meu amigo Mário Drumont: “quem se esculhamba sabe esculhambar os outros e as coisas”. Houve uma desmarxização do seu pensamento, como se ele fosse um pândego, um piadista, um escritor para fazer rir, afeiçoado ao uso de trocadilhos e paranomásias. Ficou famoso o seu trocadilho parodiando Hamlet: Tupy or not tupy that’s the question. Ele tinha um pendor para o sarcasmo inteligente, inclusive fazendo um jogo barroco e onomástico com o nome próprio das pessoas, a exemplo de Graça Aranha que ficou Aranha sem Graça. O presidente Afonso Penna foi ridicularizado em um verbo “pennando”. Lembro-me de Serafim Ponte Grande, título belíssimo e sacana de romance contra-priápico-vicário no qual a certa altura exerce destila a metalinguagem. “Não sei ainda se escreverei a palavra “coito” com todas as letras. O arcebispo e as famílias podem ficar revoltados. Talvez ponha só a sílaba “coi” seguida de três pontinhos discretos. Como Camões fazia com bunda”. É preciso não esquecer que muitas vezes o espírito sarcástico é fruto da raiva e da indignação contra a ordem social dominante. A burguesia bandeirante foi retratada em suas entranhas, denunciando sua atitude sádica com os brasis pobres e inteiramente masoquista em relação ao made in USA. Releva dizer que, dentre todos os modernistas, Oswald de Andrade foi o mais sério, o que não quer dizer sisudo, chato, pé no saco. O único escritor que foi trânsfuga de sua classe. Nasceu burguês, privilegiado, casou-se com Tarsila do Amaral, pintora, filha de latifundiário, apradinhado pelo Presidente da República Washington Luis. Ele chutou o pau da barraca, virou marxista e mudou de mulher. Neste colóquio bolivariano trago um pequeno texto que intitulei “Oswald de Andrade o inimigo da piada”, sublinhando o que ele disse de si mesmo: sofreu como Dostoievski e arriscou como Nietsche. Morreu pobre, diabético, cardíaco, mas o seu cadáver quando boia como dizia Décio Pignatari, apavora Deus e o mundo. Ele acreditava que às vezes o papel impresso era mais forte que as metralhadoras.
 Mas e a política, professor?
– É preciso fazer uma distinção: a conjuntura política na qual Oswald de Andrade viveu da Velha República ao suicídio de Vargas. Entrevistado por Radha Abramo, mulher do meu amigo Claudio Abramo, afirmou em 1954 sobre Getúlio Vargas: “foi ditador sem ser ditador”. Diante desta eu acho que Oswald pisou na bola porque passou batido em relação à crítica de Trotski ao stalinismo e os efeitos nocivos que isso teve no Brasil. Efeitos que permanecem até hoje com a nossa cabeça colonizada. Ele embarcou na contraposição abstrata entre fascismo e democracia, não entendeu que em 1945 Getúlio Vargas foi derrubado pelo imperialismo norte-americano. É verdade que no final da vida escreveu “O pistoleiro Vargas”, talvez o seu último texto. Um primor. Nele faz autocrítica leninista. Infelizmente morreu logo em seguida. Essas contradições do Oswald não foram esclarecidas por outros escritores. Continuamos até hoje envolvidos na armadilha que coloca uma antítese entre democracia e autoritarismo. Por isso é que a democracia é sempre citada como o motor da história. Na verdade o capitalismo não está nem aí para a democracia. O capitalismo está a fim é do lucro. 
 O inimigo da piada quer dizer que Oswald de Andrade era contra o humor?
– Aí veio a equação amor/humor que pode ser temperada com dor e fedor, mas não vamos continuar considerando Oswald de Andrade um palhaço da burguesia como ele mesmo se autorreferiu. Palhaço da burguesia sem nela crer. O clichê Oswald engraçado é mutreta tropicalista, carnavalizada e quietista, porque dá margem a um hedonismo de classe em querer levar gozosamente a vida em um contexto onde a vida é socialmente errada porque fundada na injustiça e exploração. Oswald não era um exibicionista: olha aqui cambada eu escapei do genocídio, sou gostoso, poeta, bom de cama. O Partido Comunista não o levou a sério e acredito que a burguesia também não se diverte lendo sua obra. Tenho por mim que o labor linguístico dos poetas concretos sobre Oswald de Andrade foi muito mais profundo do que a sociologia chapa-branca, embora haja na teoria concreta um constrangimento muitas vezes injustificável com o marxismo, digo, Marx não tem nada a ver com Stalin. Eu gosto quando Haroldo de Campos harmoniza Max com Mallarmé, a necessidade com o acaso. Claro que não depende de mim, e talvez nem razão eu tenha para desejar que Augusto de Campos faça autocrítica mostrando que a poesia concreta não se deu bem do ponto de vista estético e político aproximando-se da Tropicália. Digo isso porque escrevi meu livro De Olho na Fresta dialogando com Augusto de Campos, poeta público que admiro muito e que desasnou minha geração, sobretudo quanto à música de invenção. Dom Haroldo de Campos gostava de lembrar Walter Benjamin: “quem não é capaz de tomar partido, deve calar”. No biscoito fino oswaldiano seria: só o escritor interessado, interessa.
E outro lado da política a que você se referiu?
– O outro lado é contra a sociologia que tem orelhas blindadas, os sociólogos moucos. Se Oswald de Andrade comeu mosca na conjuntura política imediata, ele acertou na filosofia porque a escreveu com oralidade popular. Ninguém escreveu filosofia no Brasil com dicção de botequim à Noel Rosa. A América Latina aparece em sua filosofia pela posição cósmica do sol. Anunciando o socialismo solar, o socialismo do sol, solcialismo, talvez o único socialismo que vá dar certo porque supera o petróleo e a vida fóssil. É impressionante como Oswald de Andrade antecipou a necessidade da energia vegetal (a biomassa como dizia meu amigo Bautista Vidal) para escapar do descalabro ecológico capitalista em que se encontra a humanidade, ou seja, a contradição entre sociedade e natureza. O problema hoje é qual a classe social, já que não há mais a antítese boêmio/proletário, que será o agente da revolução socialista. O socialismo necessário mas que pode não ser inevitável. Ria caveira de Oswald que nem a de Eisenstein no filme do oswaldiano de Glauber Rocha. Eu não tenho dúvida de que Oswald de Andrade estaria hoje contra o Pré-sal, que é a nova guerra do Paraguai, de onde veio o golpe de 1964 na travessia da libra para o dólar. Ele dizia para caminharmos em direção ao sol. 
América do Sol
A posição anticolonialista do sol redondo de Oswald de Andrade deriva de sua sensibilidade poética vegetal. O Brasil dele medra na horizontalidade, e não na verticalidade fóssil. Viva o SolOswald.
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