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Imperialismo. A nova geopolítica da energia

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Por IELA em 01 de setembro de 2008

Imperialismo. A nova geopolítica da energia
Por Michael T. Klare – professor na Universidade de Hampshire.*
Os estrategas militares norte-americanos preparam-se para guerras futuras
que terão lugar, não por questões de ideologia ou política, mas sim em luta
crua por recursos cada vez mais escassos.
Enquanto a atenção diária do exército norte-americano se centra no Iraque e
Afeganistão, os estrategas norte-americanos olham cada vez mais para além
destes dois conflitos com o objetivo de prever o meio em que se produzirá o
combate global nos tempos futuros. E o mundo que vem é um no qual a luta
pelos recursos vitais, mais do que a ideologia ou a política de equilíbrio
de poder, domina o campo de Marte. Achando que os Estados Unidos devem
reconfigurar as suas doutrinas e forças para prevalecer em semelhante
configuração, os oficiais mais veteranos dão os passos necessários para
melhorar a planificação estratégica e capacidade de combate. Embora muito
pouco de tudo isto tenha chegado ao domínio público existe um número de
indicadores-chave.
Desde 2006 o Departamento de Defesa, no seu relatório anual Capacidade
militar da República Popular da China, colocou ao mesmo nível a competição
pelos recursos e o conflito em torno de Taiwan como a chispa que poderia
desencadear uma guerra com a China. A preparação de um conflito com Taiwan
permanece como “uma razão importante” na modernização militar chinesa,
segundo indica a edição de 2008, mas “uma análise das recentes aquisições do
exército chinês e do seu atual pensamento estratégico sugere que Pequim está
a desenvolver também outras capacidades do seu exército para outro tipo de
contingências, como por exemplo o controle sobre os recursos”. O relatório
considera até que os chineses estão a pensar melhorar a sua capacidade para
uma “projeção do seu poder” nas zonas que lhes proporcionam matérias primas,
especialmente combustíveis fósseis, e que semelhantes esforços suporiam uma
significativa ameaça para os interesses da segurança norte-americana.
O Pentágono este ano também pede fundos para o estabelecimento do Comando
África (Africom), o primeiro comando unificado transatlântico desde que em
1983 o presidente Reagan criara o Central Command (Centcom) para proteger o
petróleo do Golfo Pérsico. A nova organização centrará os seus esforços
supostamente na ajuda humanitária e na “guerra contra o terrorismo”. Mas
numa apresentação na Universidade Nacional de Defesa, o segundo comandante
do Africom, o Vice Almirante Robert Moeller, declarou que a “África tem uma
importância geo-estratégica cada vez maior” para os Estados Unidos — o
petróleo é um fator chave — e que entre os desafios chave para os interesses
estratégicos norte-americanos na região se encontra a “crescente influência
na África” da China.
A Rússia também a vê através da lente de competição mundial pelos recursos.
Embora a Rússia, ao contrário dos Estados Unidos e da China, não precise de
importar petróleo nem gás natural para satisfazer as suas necessidades
nacionais, procura dominar o transporte de energia especialmente para a
Europa, o que alarmou os oficiais veteranos na Casa Branca que receiam uma
restauração do estatuto da Rússia como superpotência e temem que o seu
aumento no controle da distribuição do petróleo e do gás na Eurásia debilite
a influência norte-americana na região. Em resposta à ofensiva energética
russa, a administração Bush está a tomar contramedidas. “Tenho a intenção de
nomear… um coordenador especial de energia que dedicará especialmente todo
o seu tempo à região da Ásia Central e do Mar Cáspio”, informou em Fevereiro
a Secretária de Estado Condolezza Rice ao Comitê de Assuntos Externos do
Senado. “É uma parte verdadeiramente importante da diplomacia”. Um dos
principais trabalhos deste coordenador, segundo declarou Rice, será o de
fomentar a construção de oleodutos e gasodutos que circundem a Rússia com o
objetivo de diminuir o seu controle sobre o fluxo energético regional.
Considerados no seu conjunto, estes e outros movimentos semelhantes sugerem
que houve um deslocamento da política: num momento em que as reservas
mundiais de petróleo, gás natural, urânio e minerais industriais chave como
o cobre e o cobalto começam a diminuir e a demanda desses mesmos recursos
está a crescer, as maiores potências mundiais desesperam por conseguir o
controle sobre o que fica das reservas sem explorar. Estes esforços implicam
geralmente uma intensa guerra de lanços nos mercados internacionais, o que
explica os preços recorde que estão a alcançar todas estas mercadorias, mas
também adotam uma forma militar quando começam a realizar-se as
transferências de armamento e o multiplicar de missões e bases
transatlânticas. Para reafirmar a vantagem dos Estados Unidos — e para deter
movimentos semelhantes da China e outros competidores pelos recursos — o
Pentágono situou a competição pelos recursos no próprio centro da sua
planificação estratégica.
*Alfred Thayer Mahan, revisitado*
Não é a primeira vez que os estrategas norte-americanos dão a prioridade
máxima à luta global pelos recursos. Em finais do século XIX um atrevido
grupo de pensadores militares liderados pelo historiador naval e presidente
do Colégio Naval de Guerra, Alfred Thayer Mahan, e o seu protegido, o então
secretário assistente da Marinha, Theodore Roosevelt, fizeram uma campanha
reclamando uma Marinha norte-americana forte e a aquisição de colônias que
assegurassem o acesso aos mercados do ultramar e às matérias-primas. Os seus
pontos de vista ajudaram pontualmente a fomentar o apoio da opinião pública
à Guerra Hispano-americana e, ao conclui-la, ao estabelecimento de um
império comercial norte-americano na América Central e no Pacífico.
Durante a Guerra-Fria, a ideologia governou inteiramente a estratégia
norte-americana de contenção da URSS e derrota do comunismo. Mas até agora
não se abandonaram por completo as considerações sobre os recursos. A
doutrina Eisenhower de 1957 e a doutrina Carter de 1980, apesar de se terem
acomodado à retórica habitual anti-soviética da época, pretendiam sobretudo
assegurar o acesso dos Estados Unidos às prolíficas reservas petrolíferas do
Golfo Pérsico. E quando o presidente Carter estabeleceu em 1980 o núcleo do
que seria mais tarde o Centcom, a sua principal preocupação era a proteção
do fluxo petrolífero do Golfo Pérsico e não a contenção das fronteiras da
União Soviética.
Ao terminar a Guerra-Fria, o presidente Bush tratou — e falhou — de
estabelecer uma coligação mundial de estados de ideologias afins (uma “Nova
Ordem Mundial”) que manteria a estabilidade mundial e permitiria aos
interesses empresariais (com as companhias norte-americanas à frente)
alargar o seu alcance por todo o planeta. Este enfoque, embora suavizado,
foi adotado depois por Bill Clinton. Mas o 11-S e a implacável campanha
contra os “estados canalha” (sobretudo contra o Iraque de Saddam Hussein e
Irão) da atual administração Bush, reinventou o elemento ideológico à
planificação estratégica dos Estados Unidos. Tal como o apresenta George W.
Bush, a “guerra contra o terrorismo” e os “estados canalhas” são os
equivalentes contemporâneos às anteriores lutas ideológicas contra o
fascismo e o comunismo. Examinados mais de perto estes conflitos, no
entanto, tornam-se impossíveis de separar o problema do terrorismo no
Oriente Médio ou do desafio do Iraque e Irão da história da extração de
petróleo naquelas regiões, por parte de empresas ocidentais.
O extremismo islâmico do tipo que propaga Osama Bin Laden e Al Queda na
região tem muitas raízes, mas uma das mais importantes garante que o ataque
ocidental e a ocupação de terras islâmicas — e a resultante profanação das
culturas e povos muçulmanos — deve-se à sede de petróleo dos ocidentais
“Recorde-se também que a razão mais importante que os nossos inimigos têm
para controlar as nossas terras é a de roubar o nosso petróleo, declarou Bin
Laden aos seus simpatizantes numa gravação datada de Dezembro de 2004.
Portanto façam tudo o que puderem para deter o maior roubo de petróleo da
história”.
De modo semelhante, os conflitos dos Estados Unidos com o Iraque e o Irão
têm sido modelados pelo princípio fundamental da doutrina Carter de que os
Estados Unidos não permitirão o aparecimento de uma potência hostil que
possa obter num dado momento o controle do fluxo petrolífero no Golfo
Pérsico, e com isso, em palavras do vice-presidente Cheney “ser capaz de
ditar o futuro da política energética mundial”. O fato de que estes países
estão possivelmente a desenvolver armas de destruição massiva só complica a
tarefa de neutralizar a ameaça que representam, mas não altera a lógica
estratégica subjacente no fundo dos planos de Washington.
A preocupação sobre a segurança da administração de recursos tem sido,
assim, uma característica central na planificação estratégica há algum
tempo. Mas a atenção que agora se presta a este assunto representa uma
mudança qualitativa no pensamento norte-americano só igualável aos impulsos
imperiais que levaram à Guerra Hispano-americana há um século atrás. No
entanto nesta ocasião o movimento está motivado não por uma fé otimista na
capacidade norte-americana para dominar a economia mundial, mas por uma
perspectiva francamente pessimista sobre a disponibilidade dos recursos
vitais no futuro e a competição intensa que a China e outros motores
econômicos emergentes realizam por eles. Perante este desafio duplo, os
estrategas do Pentágono acham que assegurar a primazia norte-americana na
luta pelos recursos mundiais deve ser a prioridade número um da política
militar norte-americana.
*Regresso ao futuro*
Em linha com este novo enfoque, a ênfase coloca-se agora no papel mundial
que há-de jogar a marinha norte-americana. Utilizando uma linguagem que
teria soado surpreendentemente familiar a Alfred Mahan e ao presidente
Roosevelt, a Marinha, os marines e a guarda costeira deram a conhecer em
Outubro um documento intitulado “Uma estratégia cooperativa para o poder
naval no século XXI”, que ressalta a necessidade dos Estados Unidos
dominarem os oceanos e assegurar as principais rotas marítimas que ligam o
país com os seus mercados do ultramar e reservas de recursos.
Nas últimas quatro décadas o comércio marítimo mundial quadruplicou: 90% do
comércio mundial e dois terços do petróleo são transportados por mar. As
rotas marítimas e a infra-estrutura costeira que as apóiam são a tábua de
salvação da economia global atual. Uma expectativa de crescimento cada vez
maior e o aumento da competição por recursos unidos à escassez podem ajudar
as nações a exercer cada vez mais reclamações de soberania sobre parcelas
cada vez maiores do oceano, vias fluviais e recursos naturais, resultando de
tudo isso potenciais conflitos.
Para encarar esse perigo, o Departamento de Defesa empreendeu uma
modernização atual da sua frota de combate, o que supõe o desenvolvimento e
a obtenção de novos porta-aviões, destruidores, cruzadores, submarinos e um
novo tipo de nave de “combate litoral” (armamento de costa), um esforço que
levará décadas a completar e que consumirá centenas de milhares de milhões
de dólares. Alguns dos elementos deste plano foram desvendados pelo
presidente Bush e o Secretário de Defesa Gates na proposta de orçamento para
o ano fiscal de 2009, apresentada no passado mês de Fevereiro. Dos artigos
mais caros do orçamento destacam-se os seguintes:
– 4,2 mil milhões de dólares para a nave principal de uma nova geração de
porta-aviões de propulsão nuclear.
– 3,2 mil milhões de dólares para um terceiro missil para o destroyer classe
«Zumwalt».
– Estas naves de guerra de camuflagem avançadas servirão também como banco
de provas para um novo tipo de míssil cruzeiro, os CG(X),
– 1,3 mil milhões de dólares para as duas primeiras naves de combate
litoral.
– 3,6 mil milhões de dólares para um novo submarino classe Virgínia, o navio
de combate subaquático mais avançado do mundo, atualmente em produção.
– Os programas de construção naval propostos custarão cerca de 16,9 mil
milhões no ano fiscal de 2009, depois dos 24,6 mil milhões de dólares
votados para o ano fiscal 2007 e 2008.
O novo enfoque estratégico da Marinha reflete-se não só na obtenção de novos
navios, como também na disposição dos já existentes. Até há pouco a maioria
dos ativos navais estavam concentrados no Atlântico Norte, o Mediterrâneo e
o Pacífico Noroeste em missões de apoio às forças da OTAN norte-americanas e
em virtude dos pactos de defesa com a Coreia do Sul e o Japão. Estes
vínculos figuram de maneira muito importante nos cálculos estratégicos, mas
aumenta cada vez mais a importância da proteção das ligações comerciais no
Golfo Pérsico, Pacífico sudoeste e Golfo da Guiné (dos maiores produtores de
petróleo em África). Em 2003, por exemplo, o chefe do Comando Europeu dos
Estados Unidos declarou que os porta-aviões de combate sob o seu comando
estariam menos tempo no Mediterrâneo e a “metade do tempo desceriam a costa
oeste da África”.
Um enfoque semelhante guia a reestruturação das bases do ultramar, que tinha
permanecido em grande medida intacta nos últimos anos. Quando a
administração Bush tomou o poder, a maioria das bases principais
encontrava-se na Europa ocidental, Japão e Coreia do Sul. Por insistência do
então Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, o Pentágono começou a transferir
forças da periferia da Eurásia para as suas regiões centrais e do sul,
especialmente a Europa central e oriental, o centro da Ásia e o sudoeste
asiático, assim como no norte e centro da África. É verdade que estas zonas
são o lar da Al Qaeda e dos “estados canalhas” do Médio Oriente, mas também
têm 80% ou mais de reservas mundiais de gás natural e petróleo, assim como
reservas de urânio, cobre, cobalto, e outros materiais industriais cruciais.
E como já afirmei antes, é impossível separar um do outro nos cálculos
estratégicos norte-americanos.
Outro ponto a levar muito em conta é o plano norte-americano para manter uma
infra-estrutura básica para apoiar as operações de combate na bacia do Mar
Cáspio e Ásia Central. Os vínculos americanos com estados desta região foram
estabelecidos anos antes do 11-S para proteger o fluxo do petróleo do Mar
Cáspio para ocidente. Julgando que a bacia do Mar Cáspio seria uma nova
fonte valiosa de petróleo e gás natural, o presidente Clinton trabalhou
aplicadamente para abrir as portas à participação norte-americana na
produção energética da zona, e embora avisado dos antagonismos étnicos
endêmicos da região, tratou de reforçar a capacidade militar das potências
aliadas do local e preparar uma possível intervenção das forças
norte-americanas na zona. O presidente Bush redobrou esses esforços,
aumentando o fluxo da ajuda militar norte-americana e estabelecendo bases
militares nas repúblicas centro-asiáticas.
Uma mescla de prioridades governa os planos do Pentágono para reter uma
constelação de bases “duradouras” no Iraque. Muitas dessas instalações serão
sem dúvida utilizadas para continuar a dar apoio às operações contra as
forças insurgentes, para atividades de inteligência militar e para treino do
exército e unidades de polícia iraquianas. Mesmo que todas as tropas de
combate norte-americanas fossem retiradas de acordo com os planos anunciados
pelos senadores Clinton e Obama, algumas dessas bases seriam com toda a
probabilidade mantidas para atividades de treino, que tanto Clinton como
Obama afirmaram que continuarão. Por outro lado, pelos menos algumas das
bases estão especificamente dedicadas à proteção das experiências de
petróleo iraquiano. Em 2007, por exemplo, a Marinha revelou que tinha
construído uma instalação de direção e controle sobre e ao longo de um
terminal de petróleo iraquiano no Golfo Pérsico, com o fim de supervisionar
a proteção dos terminais de extração de maior importância na zona.
*Uma luta global*
Nenhuma outra das principais potência mundiais é capaz de igualar os Estados
Unidos na hora de deslocar a sua capacidade militar na luta pela proteção
das matérias-primas de vital importância. No entanto, as outras potências
estão a começar a desafiar o seu domínio de várias maneiras. A China e a
Rússia em especial estão a proporcionar armas aos países em desenvolvimento
produtores de petróleo e gás, e estão também a começar a melhorar a sua
capacidade militar em zonas-chave de produção energética.
A ofensiva chinesa para ganhar acesso às reservas estrangeiras é evidente em
África, onde Pequim estabeleceu vínculos com os governos produtores de
petróleo da Argélia, Angola, Chade, Guiné Equatorial, Nigéria e Sudão. A
China também procurou acesso às abundantes reservas minerais africanas,
perseguindo as reservas de cobre na Zâmbia e no Congo, cromo no Zimbábue e
um leque de diversos minerais na África do Sul. Em cada caso os chineses
atraíram o apoio desses países provedores com uma diplomacia ativa e
constante, ofertas de planos de assistência para o desenvolvimento e
empréstimos a baixo juro, vistosos projetos culturais e, em muitos casos,
armamento. A China é agora o maior fornecedor de equipamento de combate
básico para muitos desses países, e é especialmente conhecida pela sua venda
de armas ao Sudão, armas que têm sido empregues pelas forças governamentais
nos seus ataques contra as comunidades civis do Darfur. De resto, como os
Estados Unidos, a China complementou as suas transferências de armas com
acordos de apoio militar, o que levou a uma presença constante de
instrutores, conselheiros e técnicos chineses na zona, competindo com os
seus homólogos norte-americanos pela lealdade dos oficiais militares
africanos.
O mesmo processo está a ter lugar em grande medida na Ásia Central, onde a
China e a Rússia cooperam sob os auspícios da Shanghai Cooperaion
Organization (SCO) para proporcionar armamento e assistência técnica aos
“istanes” da Ásia Central (Casaquistão, Uzbequistão, Turquemenistão,
Taiquistão e Kirguizistão), de novo em competição com os Estados Unidos para
conseguir a lealdade das elites militares locais. Nos anos 90 a Rússia
esteve demasiado ocupada com a Chechênia para prestar atenção a esta zona, e
a China por seu lado, estava concentrada noutros assuntos a que dava mais
prioridade, assim Washington desfrutou de uma vantagem temporal. No entanto,
nos últimos cinco anos Moscovo e Pequim concentraram os seus esforços para
conseguir influência na região. O resultado de tudo isso foi uma paisagem
geo-política muito mais competitiva, com a Rússia e a China, unidas através
da SCO, ganhando terreno na sua ofensiva para minimizar a influência
norte-americana na região.
Uma mostra clara desta ofensiva foi o exercício militar que a SCO levou a
cabo no último verão, o primeiro desta natureza, em que participaram todos
os estados membros. As manobras envolveram 6.500 membros no total,
procedentes do pessoal militar da China, Rússia, Cazaquistão, Kirguisistão,
Taiquistão e Uzebequistão, e indicativo dos esforços chineses e russos para
melhorar as suas capacidades militares, pondo forte ênfase no que se refere
às suas forças de assalto a longa distância. Pela primeira vez, um
contingente de tropas chinesas aerotransportadas foi deslocada fora do
território chinês, um sinal claro da crescente autoconfiança de Pequim.
Para se assegurar que a mensagem destes exercícios não passasse inadvertida,
os presidentes da China e da Rússia aproveitaram a ocasião para organizar
uma cimeira da SCO no Quirziguistão e advertir os Estados Unidos (embora não
se mencionasse) de que não se permitiriam intromissões de nenhuma espécie
nos assuntos da Ásia Central. Na seu apelo a mundo “multipolar”, por
exemplo, Vladimir Putin declarou que “qualquer tentativa para resolver
problemas mundiais e regionais de maneira unilateral será em vão”. Por seu
lado Hu Jintao fez notar que “as nações da SCO conhecem com clareza as
ameaças que a região enfrenta e devem assegurar a sua proteção por si
mesmas”.
Estes e outros esforços da China e da Rússia, combinados com a escalada de
ajuda militar norte-americana a alguns estados da região, são parte de uma
maior, embora ainda oculta, luta pelo controle do fluxo de petróleo e gás
natural a partir da bacia do Mar Cáspio para os mercados da Europa e da
Ásia. E esta luta, por sua vez, faz parte da luta mundial pelo controlo da
energia.
O maior risco desta luta é que algum dia se exceda os limites a competição
econômica e diplomática e entre em cheio no terreno militar. Não acontecerá,
desde logo, porque algum dos estados implicados tome a decisão deliberada de
provocar uma guerra contra um dos seus competidores, porque os lideres de
todos estes países sabem de certeza que o preço da violência é demasiado
elevado tendo em conta o que obteriam de outro modo. O problema, é, pelo
contrário, que todos eles estão a tomar parte em ações que fazem com que o
começo de uma escalada involuntária seja cada dia mais plausível. Estas
ações incluem, por exemplo, a deslocação de um número cada vez maior de
conselheiros e instrutores militares americanos, russos e chineses, em zonas
de instabilidade nas quais se possam ver presos algum dia em lados opostos
em conflito.
O risco é ainda maior se levarmos em conta que a produção intensificada de
petróleo, gás natural, urânio e minerais é já em si mesmo uma fonte de
instabilidade, que atua como um imã para as entregas de armamento e a
intervenção estrangeira. As nações implicadas são quase todas elas pobres,
portanto quem controlar os recursos controlará as únicas fontes seguras de
abundante riqueza material. Esta situação é um convite à monopolização do
poder para que as elites cobiçosas empreguem o seu controle sobre o exército
e a polícia para eliminar os seus rivais. O resultado de tudo isso, é, quase
sem excepção, o da criação de uma camarilha de capitalistas instalados no
poder que utilizam com brutalidade as forças de segurança e acabam rodeados
por uma massa ingente de população desafecta e empobrecida, a miúdo
pertencente a um grupo étnico diferente, um caldo de cultivo idóneo para os
distúrbios e a revolta. Esta é hoje a situação na zona do delta do Níger na
Nigéria, no Darfur e no sul do Sudão, nas zonas produtoras de urânio do
Níger, no Zimbábue e na província de Cabinda de Angola (em que se encontra a
maior parte do petróleo do país) e muitas outras zonas que sofrem o que se
denominou já como a «maldição dos recursos».
O perigo encontra-se, deve dizer-se, em que as grandes potências se vejam
imersas nestes conflitos internos. Não se trata de nenhum cenário
extemporâneo: Estados Unidos, Rússia e China estão a proporcionar armamento
e serviços de apoio militar às facções de muitas das disputas anteriormente
mencionadas: os Estados Unidos estão a armar as forças governamentais da
Nigéria e Angola, a China proporciona ajuda às forças governamentais no
Sudão e no Zimbábue, o mesmo acontecendo com o resto dos conflitos. Uma
situação inclusivamente mais perigosa é a que existe na Geórgia, onde os
Estados Unidos apóiam o governo pro-ocidental do presidente Mijail
Saakashvili com armamento e apoio militar, enquanto a Rússia dá o seu apoio
a legiões separatistas de Abkazia e Ossétia do Sul. A Geórgia joga um papel
estratégico importante para os dois países porque alberga o oleoduto
Baku-Tbilisi-Cheyan (BTC), um conduto apoiado pelos Estados Unidos que
transporta petróleo do Mar Cáspio para os mercados ocidentais. Atualmente há
conselheiros e instrutores militares norte-americanos e russos nas duas
regiões, nalguns casos têm até contacto visual uns com os outros. Não é
difícil, portanto, conjecturar um cenário no qual um choque entre as forças
separatistas e a Geórgia conduza, queira ou não, a um choque entre soldados
russos e americanos, dando lugar a uma crise muito maior.
É essencial que a América inverta o processo de militarização da sua
dependência da energia importada e diminua a sua competição com a China e a
Rússia pelo controle de recursos estrangeiros. Fazendo-o, poderia canalizar
o investimento para as energias alternativas, o que levaria a uma produção
energética nacional mais efetiva (com uma descida de preços a longo prazo) e
uma fantástica oportunidade para reduzir a alteração climática.
Qualquer estratégia tendente a reduzir a dependência da energia importada,
especialmente o petróleo, deve incluir um aumento do gasto em combustíveis
alternativos, sobretudo, fontes renováveis de energia (solar e eólica), a
segunda geração de biocombustíveis (feitos a partir de vegetais não
comestíveis), a gaseificação do carbono capturando as partículas de carbono
no processo (de modo a que nenhuma dioxina de carbono escape à atmosfera,
contribuindo para o aquecimento do planeta) e células de combustível de
hidrogênio, juntamente com transportes públicos avançados. A ciência e a
tecnologia para aumentar esses avanços encontra-se já disponível na sua
maior parte, mas não as bases para conduzi-la do laboratório ou da etapa de
projecto-piloto para o seu desenvolvimento completo. O desafio é, então, o
de reunir os milhares de milhões – talvez biliões — de dólares que são
necessários para isso.
O principal obstáculo a esta tarefa hercúlea é que a sua principal razão de
ser se encontra em princípio com o gasto enorme que supõe a competição
militar pelos recursos do ultramar. Pessoalmente calculo que o custo atual
de impor a doutrina Carter se encontra entre os 100 e os 150 mil milhões de
dólares, sem incluir a guerra no Iraque. Estender essa doutrina à bacia do
Mar Cáspio e África somará mais milhares de milhões à conta. Uma nova
guerra-fria com a China, com a sua correspondente carreira armamentista
naval, requererá biliões em gastos adicionais militares nas próximas
décadas. Uma loucura: o gasto não garantirá o acesso a mais fontes de
energia, nem tornará mais barato o preço da gasolina para os consumidores,
nem desanimará a China na sua busca de novas fontes de energia. O que
realmente fará será reduzir o dinheiro que necessitamos para desenvolver
fontes de energia alternativas com que conjurar os piores efeitos da mudança
climática.
Tudo isso nos leva à recomendação final: mais do que embarcarmos numa
competição militar com a China, o que deveríamos fazer era cooperar com
Pequim no desenvolvimento de fontes de energia alternativas e sistemas de
transporte mais eficazes. Os argumentos a favor da colaboração são
enganosos: calcula-se que juntos, os Estados Unidos e a China, consumirão
35% das reservas mundiais de petróleo para 2025, a maior parte do qual terá
de ser importado de estados disfuncionais. Se, como se prediz amplamente, as
reservas mundiais de petróleo comecem a diminuir, os nossos países estarão
encerrados numa luta perigosa pelos recursos cada vez mais limitados a zonas
cronicamente instáveis do mundo. Os custos disso, em termos de uns
desembolsos militares cada vez maiores e uma inabilidade manifesta para
investir em projetos sociais, econômicos e ambientais que mereçam realmente
a pena, serão inaceitáveis. Razão de mais para renunciar a este tipo de
competições e trabalhar juntos com o desenvolvimento de alternativas ao
petróleo, nos veículos eficientes e outras inovações energéticas. Muitas
universidades e corporações chinesas e norte-americanas começaram a
desenvolver projetos conjuntos dessa natureza, portanto não deveria ser
difícil prever um regime de cooperação ainda maior.
À medida que se aproximam as eleições de 2008, abrem-se dois caminhos
perante nós. Um leva-nos a uma maior dependência dos combustíveis
importados, uma militarização crescente da nossa relação de dependência do
petróleo estrangeiro e uma luta prolongada com outras potências pelo
controle das maiores reservas existentes de combustíveis fósseis. A outra
leva a uma dependência atenuada do petróleo como fonte principal dos nossos
combustíveis, ao rápido desenvolvimento de alternativas energéticas, um
perfil baixo das forças norte-americanas no estrangeiro e à cooperação com a
China no desenvolvimento de novas opções energéticas. Raras vezes uma
eleição política teve maior transcendência para o futuro do nosso país.

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