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O Imperialismo Necessita de Milícias

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Por IELA em 23 de maio de 2019

O Imperialismo Necessita de Milícias

Inócuo é listar e fazer comentários às asneiras linguísticas e conceituais dos ministros. Há antecedentes ilustres na flora reacionária. Varnhagem, o historiador paulista de Sorocaba, defendia a escravidão dos índios. É sabido o horror que os portugueses colonizadores, os progenitores dos bandeirantes tucanos, tinham da indiada. Duque de Caxias, temente do inferno, era a favor dos índios escravizados e condenava os negros africanos. Eis que parece Roberto Campos mas é o cronista Pero Vaz Gandavo tirando a culpa da classe dominante: “uma das causas por que o Brasil não floresce muito mais é pelos escravos que se levantam e fogem para as suas terras cada dia”. 
Que os mariners invadam a Venezuela. O vice Mourão mantém fidelidade ao capitão-mor porque este livrou-lhe do entediante pijama anafrodisíaco e monótono do breviário. Sua alma gaúcha. Dei Gloriam. Sarava às Milícias positivistas de Inácio de Loyola. O general Heleno em seu travesseiro shakespeariano é sobressaltado pela guerra do Paraguay, porquanto ele aprendeu nas Agulhas Negras que o Exército Nacional não poderia tolerar a milícia imobiliária. Os militares do Haiti desdenharam Lott, o soldado patriota, e prestaram tributo ao general entreguista Silvio Frota. A gênese do bolsonarismo está na ocupação militar do Haiti tendo por comandantes Heleno e Mourão.
O abuso desumanitário feito no Haiti assemelha-se ao genocídio da Guerra do Paraguay, na qual se encontra a origem do golpe de 64. Eis a equação: o golpe de 64 está para a guerra da Tríplice Aliança assim como o bolsonarismo está para o Haiti. Mourão e Heleno admiram os generais de Napoleão Bonaparte no Haiti. Estes notabilizaram-se por alimentar os seus cachorros com os corpos dos negros. 
A raiva bolsonara contra o Haiti é que Simon Bolívar morou por uns tempos lá e foi amigo de Alejandro Petión, o fundador da República e responsável pelo conceito de “democracia agrária”. Os generais Heleno e Mourão foram ao Haiti enviados por Lula e Dilma a pedido da ONU. 
Não acredito que seja infundado o cotejo entre a Guerra do Paraguay e o Haiti. Mourão e Heleno pertencem à filiação do general Santander, bacharel em leis, “esse Mitre bogotano”, segundo Jorge Abelardo Ramos, o historiador marxista do Exército argentino. Santander foi considerado um amigo da oligarquia e dos ianques, fazedor de negócios e um liberal mau caráter. 
Heleno e Mourão amaldiçoaram o chavista Simon Bolívar e teceram panegíricos obcenos ao Santander do Trump. Será obra do acaso que esses generais aprenderam o código de boas maneiras servindo no Haiti? Perguntem-lhes o conceito que têm do López Del Paraguay: bebum, mulherengo, ditador, racista, enfim, um monstro que deveria ser linchado por ter dito a célebre frase: “muero com mi patria y com mi espada en la mano” 
Tudo é absolutamente anti-nacional no Exército Bolsonaro. Não sei se retornaremos ao dilema Lott ou Castelo Branco. O Paraguay resistiu 5 anos, mortos 250 mil crianças, velhos e mulheres com o Brasil cada vez menos desnacionalizado o Exército torna-se policial. 
Dependência ou morte. 
Com o vice Mourão não desapareceu o integralismo fascista. Em 1932 houve cento e oitenta mil adeptos. Muitos militares tornaram-se integralistas com refratários ao imperialismo inglês, mas não ao norte-americano. 
Os golpes invariavelmente são gerados no interior do Estado, por isso assumem a forma militar. O golpismo é constituído de golpes brancos que são semelhantes, porquanto não há luta nem resistência. 
O push integralista foi exceção, pois a iniciativa partiu do exterior do aparelho de Estado. Ainda que haja anistia na tradição brasileira, os golpistas militares (1955 e 1964) não premiados, e quem defende a legalidade é punido. 
O panorama ideológico em escala mundial é determinante na deflagração do golpe. A essência é o conflito entre capitalismo e socialismo. O nazismo foi o capitalismo imperialista contra o socialismo. Este no entanto não é o contrário do nazismo e sim da democracia liberal.
1964 não perdoou os derrotados. Puniu e perseguiu quem defendeu João Goulart. 
O anticomunismo é a ideologia dominante do golpismo. 
Golpe branco, 29 de outubro, 1945. Getúlio Vargas foi apeado do poder quando deixou de ser “ditador”. O avanço da burguesia chocou o imperialismo. Getúlio Vargas, o maior líder burguês da história do Brasil, segundo Nelson Werneck Sodré.
Os chefes militares entregaram o poder a um golpista: Café Filho. Já em 54 queriam implantar um regime do tipo 64. Houve eleição: JK candidato de Getúlio Vargas. Ameaçado de não tomar o poder. Foi salvo pelo Marechal Lott que impediu o golpe branco. 
JK terminou o mandato depois de uma desastrosa política econômica entregue ao capital estrangeiro. Jânio ganhou de Lott e logo abriu o país ao imperialismo. Oito meses depois tentou uma jogada palaciana e renunciou. Os militares tentaram impedir a posse de Jango. Golpe militar clássico, isto é, branco. Em 1961 o golpe gorou por causa da Campanha da Legalidade de Leonel Brizola. Da renúncia de Janio em 61 à derrubada de Jango em 64 foi a época mais democrática da história do Brasil. 
Em 2018 o capital reformado ganhou as eleições. Será que hoje a ideologia anticomunista está fadada a revestir-se de um perfil psicótico? Nelson Werneck Sodré informou que logo à primeira quinzena de 1964 o Exército prendeu trinta mil pessoas. Eis a magnífica síntese histórica: “para impedir o avanço democrático no Brasil, o imperialismo necessita de uma milícia a seu serviço ou o que vem a ser o mesmo, necessita destruir as Forças Armadas nacionais”. 
O soldado é substituído pelo policial que agride o povo e não defende o país. 
Werneck Sodré, por mais que odiasse a ditadura de 64 com as suas torpezas e torturas, não se arrependeu de ter sido militar, nunca se envergonhou do “mister das armas”. Denunciou o equívoco de alguns militares ingênuos que têm a pretensão de serem “os monopolizadores do patriotismo”.
Eis a questão difícil de ser respondida: Bolsonaro eleito presidente significa que a ditadura de 64 foi aprovada pelo povo? Sua vitória colocou a ditadura em um plebiscito: o povo votou a favor. É isso?
Bolsonaro, o novo Collor? Este concorreu com Leonel Brizola e chegou ao poder apoiado pela mais poderosa TV do país, o que não foi o caso do capitão com a evangélica TV Record, Silvio Santos e Bandeirantes. 
Exército Nacional sem política nacional é impossível. É o que mostrou Nelson Werneck Sodré, o maior intelectual das Forças Armadas, o soldado marxista em uma instituição que tem fobia ao comunismo, principalmente depois de 1935 com a “Intentora”. Quase toda sua vida ele passou no Exército, amargurado em 1964, tendo conhecido (ainda que não fosse amigo) os militares golpistas. Foi o historiador da burguesia brasileira que se vale do Exército para exercer o seu domínio: uma burguesia fraca que vem ao mundo junto com o imperialismo e temerosa da classe operária. 
A carteira de identidade da burguesia brasileira é a vassalagem ao imperialismo. Nas últimas décadas as empresas multinacionais compraram o território do sol e da água doce. O servilismo ao capital estrangeiro aumenta dia a dia. Ser patriota é crime. Lincon Gordon decretou que o nacionalismo era obsoleto e, no poder, os militares concordaram. 
O anticomunismo do Exército veio como um pacote externo. A Escola Superior de Guerra derrubou Getúlio Vargas. O objetivo de 64, segundo Roberto Campos, era entregar as riquezas nacionais às empresas multinacionais, principalmente a Petrobrás, o epicentro da política por onde se consubstancia a luta de classes. 
O projeto ditatorial gorou em 1955 quando JK ganhou de Juarez Távora. Lott foi o herói da democracia. Em 1961 o golpe fracassou por causa de Leonel Brizola enfrentando Orlando Geisel. 
Em 64 não houve resistência. 68 foi o ano do AI-5. Golpe dentro do golpe. Médici é escolhido tendo por condestável Orlando Geisel. A rotatividade dos chefes tornou-se a característica da ditadura brasileira. O responsável pelo desastre não é mais tal ou qual general, mas as Forças Armadas. O imperialismo sofisticou em sua estratégia. Não há ditador permanente. 
E o que se passa agora na atualidade militar que se confunde com a atualidade política? A análise marxista não pode negligenciar essa questão sob pena de passar levianamente por cima do legado reflexivo que nos deixou Nelson Werneck Sodré em vários livros, principalmente o singular e estupendo A Memória de um Soldado. Biografia. Narrativa épica. Parece Frederico Engels que manejava artilharia e conhecia as manhas de todas as guerras europeias. Por causa disso, na casa de Marx, as suas duas filhas intelectualizadas o chamavam de “general” Engels. 
Nelson Werneck Sodré levou a sério a lição de Marx em Guerra Civil na França: é preciso estudar o que é o Exército e o que é o “povo armado”. Recordando Horta Barbosa e Artur Bernardes, Nelson Werneck Sodré referiu-se à adesão de militares e trabalhadores na batalha nacionalista do Petróleo. A aliança militar com trabalhadores depende de circunstâncias históricas e da luta de classes. Há também o outro lado: o militar cipaio como é o caso de Juarez Távora, espécie de Paulo Guedes fardado que queria vender o território e entregar as minhocas. 
Nelson Werneck Sodré ponderou com augúria: as Forças Armadas não são avessas à democracia. Não constituem tropa de ocupação a serviço dos países imperialistas, a favor do latifúndio e do capital estrangeiro. Elas não deveriam ser destruídas e substituídas por guerrilhas ou por um “Exército Popular”. Isso é romantismo esquerdista em torno da vanguarda armada do povo, ou seja, considerar as Forças Armadas como o principal agente da transformação anti capitalista. Equívoco.  Supor que a missão das Forças Armadas é impedir que as riquezas nacionais não sejam enviadas para o exterior.  Claro que, em tese, o militar não pode admitir a venda do patrimônio e o esfacelamento da Nação, como queriam Bulhões e Campos, os gurus dos gorilas golpistas. 
Evoco a reflexão de Nelson Werneck Sodré porque ela reapareceu em minhas conversas com o piloto e matemático Sylvio Massa a propósito da clivagem entre os militares reacionários da reserva e a possibilidade de surgir militar na ativa que se insurja contra o entreguismo do capitão Bolsonaro.
Lembrei-me dos saudosos Bautista Vidal e Glauber Rocha. Visão errônea é confundir militarismo com defesa militar do território. Bautista Vidal era enfático, talvez por ter trabalhado no governo Geisel, que os militares não iriam entregar a energia vegetal do futuro para os países hegemônicos que não têm sol, portanto dependem do petróleo. Glauber Rocha, por outro lado, filmou o golpe de Estado de 64 e não atribuiu aos militares a sua gestação, tanto que em seu filme Terra em Transe o papel do general anti-golpe de Estado foi desempenhado por Mario Lago, que era um cantor, um ator comunista. Ademais, o cineasta considerava a burguesia civil corrupta e vendedora da pátria. O contrário seria a atuação revolucionária de alguns militares na história da América Latina. Mirem o exemplo de Solano Lopez, de Martí, de Bolívar, de Alvarado e de Hugo Chávez.
 

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