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“Nem tudo que brilha é ouro”

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Por IELA em 13 de setembro de 2019

“Nem tudo que brilha é ouro”

Foto: Social Bauru

Nem tudo que brilha é ouro: os danos colaterais da pequena política dos youtubers, herdeiros e herdeiras da analítica paulista
Porque o que falta mesmo é a gente estudar e aprender todas as nuances sobre como o capital ferra ou não ferra com a gente!
Texto de Elaine Santos e Lise Ma 
Demoramos a escrever este texto, afinal não é nosso objetivo personalizar a crítica; não nos interessa o/a personagem, mas sim suas ações para a transformação que almejamos, para o mundo que estamos construindo. Esta transformação só pode ser radical, tendo em conta que vivemos no capitalismo de democracia restringida, não é possível pensar numa transformação que não inclua os mais atingidos. Nos últimos anos, um número grande de pessoas têm debatido conteúdos políticos nas redes sociais, entre as quais o/a “youtuber.” Alguns apresentam debates mais conceituais e até discussões que antes só se faziam nos meios acadêmicos e nos grupos de estudos e isto gerou um acesso maior às discussões e informações políticas. Vendo esse desenrolar como algo positivo, não acompanhamos Jamie Bartlett quando este escreve acerca da morte da democracia causada pela internet [1]  – e nem poderíamos, já que, enquanto brasileiras de origem periférica, nos acostumamos a democracia incompleta e aos governos cuja racionalidade passa somente por ganhos eleitorais.
Neste país em que a dor se personifica na sua maioria afro-ameríndio-descendente, numa parte das Américas com discrepâncias estatísticas étnico-raciais atrozes, não nos surpreende que, mesmo que estes sejam os protagonistas das diversas violências, tendem a ser os menos valorizados e visibilizados em suas formas de resistência. Sendo estrutural, o problema dos inauditos não se restringe, mas tende a estar relacionado ao condicionamento, a obrigatoriedade do embasamento em teorias e línguas estrangeiras coloniais, relacionado à desvalorização dos autores brasileiros e latino americanos e de tudo que criamos. Autores e autoras que pavimentaram nossos caminhos até aqui e outros que foram referências em nossas lutas. 
O debate acerca das políticas do país são sempre credibilizados aos mesmos, as mesmas caras “renovadas,” os sociologetas – pra usar o termo do nosso autor Guerreiro Ramos – que agora operam em formato de vídeo. As sociólogas e sociólogos brasileiros operam, no geral, por meio do sincretismo e da simetria, adotam sem críticas os autores da moda nos países desenvolvidos, com a subserviência colonial característica. Para muitos jovens são as maiores fontes de informação, em virtude do maior uso da internet e da ausência de perspectivas buscam ali, uma resposta, uma explicação para o caos social que vivemos. 
Dentre os “formadores” na esquerda, ressalta-se a filiação às mídias norte-americanas. Mesmo que estes neguem o título de “influencers,” eles e elas acabam exercendo uma influência ambígua criando uma utopia contrária à nossa realidade, promovendo uma supervalorização do pensamento de fora, num processo típico das esquerdas latino-americanas desde a chamada analítica paulista [2] . Por outro lado, também rebaixam o nível dos debates; na busca dos likes evitam revelar o nervo da crítica, se tornam palatáveis e até mercadológicos. No entanto, suprem nossas carências explicativas, agora mais agudas com tamanha violência entre os nossos, explorando o nicho do mercado revolucionário em busca de aplausos fáceis e um palco online.   
Nada disto é novo – a investida ultra conservadora impulsionou, há décadas atrás, um arrocho na América Latina e, exatamente como agora, a esquerda foi afetada bem como sua capacidade de contraposição e interpretação. Roberto Santana Santos [3] , busca, a partir de Marini, compreender a dependência dos países subdesenvolvidos no atual momento do capitalismo. O autor revela que não foram as fake news repassadas pelos zap, como muitos pensam, que nos fizeram chegar até aqui, tampouco algum conservadorismo escondido na população que agora parece ter se revelado como ‘surpresa’. Ao contrário, foram os avanços do neoliberalismo perpetuados desde FHC até o governo petista. Obviamente que o contexto geopolítico internacional, formado na globalização, também corroborou, mas a enorme capilaridade deste processo não seria possível se não tivéssemos burguesias periféricas tão fechadas com esta posição de manutenção da ordem rebaixada, subdesenvolvida, que resulta nas inúmeras mortes e no desemprego crescente – tal o preço desta conciliação. E foi a continuidade dos pactos políticos que nos trouxe até aqui, a ultradireita.
O Brasil literalmente hemorrágico já não consegue tratar do sangramento com base nos melhorismos de alguns anos atrás. Os melhorismos terminaram e não foram pautados em consonância com os anseios da população, trabalharam sob a égide da exclusão includente na pequena política, àquela que coloca um esparadrapo na ferida crônica, uma anestesia e pronto! 
Exatamente por almejar uma radicalidade, não podemos esquecer de outra valiosa lição dada nessas últimas décadas: A esquerda não avança com a blindagem de líderes carismáticos, com a falta de autocrítica, e principalmente, a esquerda necessita abandonar o modelo academicista, dirigente, ultra-hierárquico, complacentemente pedagógico e fundamentalmente meritocrata da política da esquerda radical. 
Na internet, a esquerda boa é a meritocrata por natureza, os influencers digitais ou propagandistas partidários aparentam ser profissionais completos, agindo com sucesso em vários campos; super valorizando o trabalho intelectual, se colocam como divindades portadoras da revolução, mas são as diabruras do intelecto, onde por meio de muito jogo e pouco intelecto, viabilizam seus discursos.
Douglas Valentine [4]  resume essa tendência de “autopromoção” da esquerda nos EUA como típica de uma “Esquerda Compatível”. Em sua definição, essa esquerda boa se torna “uma pequena empresa que depende do sistema capitalista no qual opera ” [5]. Esse fenômeno também é perceptível na cultura do ativismo de celebridades brasileira. Quaisquer críticas ao trabalho desses ‘intelectuais públicos’ – por vezes até proclamados heróicos – são taxadas como provenientes da inércia na qual seus críticos e críticas escolhem permanecer, de tal ‘inveja do sucesso.’ Isso traduzido em tempos de crise, se torna ‘a inveja’ daquele(a)s que não têm acesso à redes de empregos e que não performam uma certa ‘empregabilidade’, através de um pertencimento de classe social, raça, gênero, sexualidade, ou ainda, de civilidade e consenso políticos dignos de um bom mocismo.
Como demonstrou Falavina [6] (2019) a esquerda boa de internet é a artificializada – obviamente que aquelas/es que fazem ‘sucesso’ são os mais ‘aceitos’ na sociedade marcada pelo colonialismo. O descolamento do real permanece ditado pelos mesmos, ou quando a realidade aparece é por meio da instrumentalização – afrontam preconceitos a partir do convite a alguém negro ou indígena para falar sobre seus dramas reais, como se estes não pertencessem a todas e todos. 
Ou então, os intelectuais públicos e propagandistas políticos da nossa geração se pautam no chamado “basismo do instagram,” reinventando a roda, desconsiderando o papel real da Teologia da Libertação ou de outros movimentos que propunham de base, contínuo, com história, somando aos intelectuais como sociedade, não como soberba vanguardista.
É tempo de criar e encontrar novos caminhos genuinamente radicais que transcendam o verniz de radicalidade, da esquerda commodity de mídias e partidos reformistas. Não temos mais tempo para uma competição ditada pelo passado – quem é melhor Lênin ou Trotsky? Ou por que não finalmente ressuscitar Stalin? – fazendo com que a gente esqueça o que salientou o próprio Marx: é no futuro que se encontra o espírito da revolução proletária e é práxis da revolução burguesia tentar te fazer ficar preso/a no passado. Ainda que tal debate traga uma relação positiva com a teoria a falta de interpretação da realidade e principalmente dos autores latino americanos agudiza os nossos problemas e, ao invés de revitalizar o marxismo, o expulsa. Tal como perguntou Iasi [7] semanas atrás, qual é o nosso projeto de sociedade, quais são as nossas ambições políticas? 
1.  Disponível em https/apublica.org/2019/03/como-a-internet-esta-matando-a-democracia/>  consultado a 08.09.20192.  Para saber mais ver http://www.verinotio.org/conteudo/0.91843469899002.pdf> consultado a 08.09.20193.  Tese Defendida em 20194.  Douglas Valentine é jornalista americano é autor dos livros “O Programa Phoenix”, “O Hotel Tacloban” e “A CIA enquanto crime organizado: Como operações ilegais corrompem América e o Mundo.”.5. Valentine 2017:186.  Disponível em https/outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/notas-sobre-a-esquerda-ru… acesso a 05.03.20197.  Disponível em https/blogdaboitempo.com.br/2019/08/30/a-pequena-politica-a-grande-pol…  acesso a 08.09.2019

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