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Estratégias norte-americanas

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Por IELA em 18 de março de 2019

Estratégias norte-americanas

A hegemonia dos Estados Unidos da América (EUA) em relação aos demais países, nas últimas três décadas, foi construída por ações que começaram em passado distante. Ênfase na soberania para a formação desta hegemonia é encontrada, inclusive, em afirmações dos próprios pais fundadores.
Como esta posição é conquistada através de iniciativas em diversas áreas, como a econômica, a educacional, a tecnológica, a política, a diplomática e a militar, além de firme posição política de busca da liderança, e como as iniciativas soberanas da Rússia e da China estão em ascensão, poderá ocorrer que a hegemonia estadunidense será ameaçada no futuro. Aliás, a hegemonia dos EUA foi conquistada com o deslocamento da hegemonia inglesa, que prevaleceu até a segunda grande guerra.
A Doutrina Monroe, lançada pelo presidente norte americano James Monroe em 1823, pregava que o continente americano não deveria aceitar mais nenhum tipo de intromissão europeia sobre quaisquer pretextos. Foi um ato contra o colonialismo, resumido na frase: “A América para os americanos”.
A Doutrina Carter, formulada pelo Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, durante o governo Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, é descrita da seguinte forma pelo próprio Conselheiro: “Que a nossa posição seja absolutamente clara: Uma tentativa de qualquer força externa para controlar a região do Golfo Pérsico será interpretada como um assalto aos interesses vitais dos Estados Unidos da América, e tal assalto será repelido através de qualquer meio disponível, inclusive a força militar”. [1]
Um dos principais objetivos da estratégia militar do governo dos EUA, em 1991/1992, segundo o General Colin Powell, Secretário de Estado do governo George W. Bush era: “evitar o surgimento de potências regionais ou globais, que possam rivalizar com os EUA e se colocar contra a existência de uma ordem mundial unipolar, conquistada pela supremacia militar dos EUA.” [2]
Esta tese é ratificada e complementada pela cientista social Ana Esther Ceceña do Instituto de Investigaciones Económicas do México, que afirma, após pesquisar em documentos do Department of Defense (DoD) americano: “os interesses vitais dos Estados Unidos, em torno dos quais se organiza toda sua atividade militar, compreendem:
1.      Proteger a soberania, o território e a população dos Estados Unidos;
Evitar a emergência de hegemones ou coalizões regionais hostis;
Assegurar o acesso incondicional aos mercados decisivos, ao fornecimento de energia e aos recursos estratégicos; 
Dissuadir e, se necessário, derrotar qualquer agressão contra os Estados Unidos ou seus aliados;Garantir a liberdade dos mares, vias de tráfego aéreo e espacial e a segurança das linhas vitais de comunicação.” [3]
Existem os objetivos regionais da estratégia militar dos EUA: “Impedir a formação de qualquer força militar europeia fora da OTAN; impedir uma nova militarização do Japão e da Rússia; restringir a capacidade das forças militares na América Latina à sua autodefesa, à contenção do narcotráfico, à assistência a catástrofes e à manutenção da paz internacional.” [2] Além destes objetivos regionais, existem também os seguintes: “Controlar o acesso a fontes de recursos estratégicos, especialmente os energéticos, e suas rotas comerciais, principalmente as marítimas, com a finalidade de negar o acesso a rivais, revelados ou potenciais, e manter seu ‘poder de barganha’ sobre os aliados, ao assumir o papel de garantidor do seu abastecimento.” [2]
Desta forma, os Estados Unidos têm, como já foi dito, um projeto de poder mundial, que visa satisfazer os seus grupos econômicos, a sua sociedade e ao capitalismo internacional, com efeitos previsíveis nos demais países. Busca, entretanto, não afrontar aliados, nem a opinião pública mundial.
Não procuro provar a essencialidade do petróleo, pois este fato é, hoje, incontestável. Porém, quero citar Daniel Yergin, especialista em energia e autor consagrado, que escreveu sobre esta questão de forma quase poética: “E, entre todas as fontes de energia, o petróleo vem se mostrando a maior e a mais problemática devido ao seu papel central, ao seu caráter estratégico, à sua distribuição geográfica, ao padrão recorrente de crise em seu fornecimento – e à inevitável e irresistível tentação de tomar posse de suas recompensas (…). Ele tem abastecido, ainda, as lutas globais por supremacia política e econômica. Muito sangue tem sido derramado em seu nome. A feroz e, muitas vezes, violenta busca pelo petróleo – e pela riqueza e poder inerentes a ele – irão continuar com certeza enquanto ele ocupar essa posição central. [4]
A partir destes fatos, são bem compreendidas as ações do governo norte americano, quer seja uma administração democrata ou uma republicana. A estratégia citada anteriormente: “Assegurar o acesso incondicional (…) ao fornecimento de energia (…)” explica as invasões do Iraque, da Líbia e outras, inclusive a recente tentativa de invadir a Venezuela. Assim, o Pré-Sal brasileiro coloca o nosso país na lista dos “fornecedores prioritários” dos Estados Unidos.
Os objetivos da estratégia militar dos Estados Unidos são claramente explicitados pelo General de Divisão Smedley Butler do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, altamente condecorado e autor do livro “Guerra é uma extorsão”, onde descreve o complexo militar-industrial existente nos EUA. Em 1933, Butler proferiu o discurso “Intervencionismo”, do qual seguem trechos (sem mudar o sentido das afirmações): “Guerra é exatamente uma extorsão. (…) Somente um pequeno grupo que está dentro sabe o que significa. Ela é conduzida para o benefício de muito poucos à custa das massas. (…) Eu não iria para a guerra de novo, como eu fui, para proteger algum investimento nojento dos banqueiros. (…) Eu passei trinta e três anos e quatro meses no serviço militar ativo. (…) E durante este período, eu passei a maior parte do meu tempo sendo um homem músculo de alta classe para o Grande Negócio, para Wall Street e para os banqueiros. Resumidamente, eu era um extorsionário, um gangster para o capitalismo. (…) O registro de extorsões é grande. (…) Olhando para trás neste ponto, eu sinto que eu poderia ter dado a Al Capone umas poucas sugestões. O melhor que ele pôde fazer foi operar as suas extorsões em três distritos. Eu operei em três continentes.” [5]
Padula descreve posições geopolíticas dos Estados Unidos, propostas por alguns estrategistas, e os principais conteúdos de documentos estratégicos oficiais deste país, de diferentes épocas. [1] Busco identificar os argumentos que embasam os objetivos estadunidenses depois deste país galgar a posição de hegemon, com o debacle da União Soviética. Para tal, análises são necessárias.
Os Estados Unidos continuam com forte influência em entidades multilaterais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio e a própria ONU. Possuem a moeda que lhes permite o endividamento sem limite. Têm o controle da OTAN, que hoje pode atuar em qualquer lugar do planeta. Suas Forças Armadas são as mais letais e as mais bem equipadas. Seu sistema de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação responde aos desafios de aumento de competitividade da sua economia para continuar atuando no mundo globalizado e de aumento da satisfação da sua sociedade.
Capitais ancorados basicamente nos Estados Unidos possuem influência em grupos midiáticos de diversos países. Todas as agências de notícias do mundo ocidental recebem influências do capital internacional. O poder da manipulação das informações é tão dominador quanto o das Forças Armadas.  Os Estados Unidos, ou o capital que nele reside, têm recursos suficientes para corromper, através dos órgãos de inteligência, políticos, juízes, servidores públicos, enfim, lideranças dos países a serem dominados. Suas empresas privadas atuam no mundo afora como recolhedoras de lucros dos mercados alheios e como dilapidadoras dos recursos naturais dos outros países.
Assim, as Forças Armadas dos Estados Unidos elegeram combater, neste novo mundo em que eles lideram isoladamente, o narcotráfico, a proliferação de armas nucleares, a degradação ambiental, o terrorismo, ditaduras, Estados violadores de direitos humanos e Estados fracos que permitem a ocorrência dos crimes citados. Não discordo do elenco de dramas existentes. Tenho dúvida que eles sejam as verdadeiras razões para diversas agressões. Além disso, existem contradições nestes objetivos, porque, por exemplo, há uma ditadura na Arábia Saudita, que nunca é lembrada. Com este conjunto de dramas a combater, é permitido aos Estados Unidos desembarcar suas Forças Armadas em qualquer ponto do planeta. Se existir alguma dificuldade para a justificativa, uma fake news, como “a produção de armas de destruição em massa”, pode ser providenciada.
Os Estados Unidos atingiram a perfeição no processo de dominação, porque não precisam mais invadir militarmente um país. Basta financiar nacionais dos países a serem espoliados, que passam a ser seus prepostos, vendilhões da pátria e traidores dos seus irmãos. Fornecer a eles apoio diplomático, mercadológico e midiático. Comprar políticos, juízes e demais lideranças da sociedade, que, ao fim e ao cabo, o butim ocorrerá.
Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia
Notas
[1] Padula, Raphael, capítulo “A geopolítica estadunidense e a Eurásia” do livro “Sobre a guerra”, organizado pelo Professor José Luís Fiori, Editora Vozes, página 343, 2018.
[2] Padula, Raphael, palestra “A Geopolítica do Petróleo e a Conjuntura Internacional”, proferida no Clube de Engenharia, 2018.
[3] Ceceña, Ana Esther, artigo “Estratégias de dominação e mapas de construção da hegemonia mundial”, II Fórum Social Mundial (FSM), 2002.
[4] Yergin, Daniel, livro “O petróleo, uma história de ganância, dinheiro e poder”, 2010.
[5] Jornal Hora do Povo, 12/01/2007,  http://www.horadopovo.com.br/2007/janeiro/12-01-07/pag5a.htm
 

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