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E agora Argentina?

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Por IELA em 03 de setembro de 2018

E agora Argentina?

Foto: Facundo Cardella

A Argentina vive, já há algum tempo, dias incertos e tortuosos. O desespero geral aconteceu no dia 30 de agosto, em uma sequência de eventos que estrangularam o governo  de Mauricio Macri e sua economia ultraliberal, e com ela o povo argentino. 
 
Macri fez um pronunciamento na manhã do dia 30 afirmando que receberia um adiantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o pagamento da dívida pública, o que não havia sido de fato acordado. Essa inverdade soou aos ouvidos do mercado e dos bancos como um sinal para juntar as malas (de dólares) e despachá-las.
 
Seguido do comunicado e do início do pregão da bolsa, a corrida cambial desvalorizou o peso argentino em 13% em menos de cinco horas, chegando ao pico quando um dólar passou a ser equivalente a 42 pesos. Os trabalhadores argentinos viram o seu dinheiro e o que ele podia comprar virar pó, bem como os 500 milhões de dólares da reserva do governo que foram sugados pelo mercado financeiro. Sendo a economia argentina altamente dolarizada e dependente de importações básicas, o preço de alguns insumos como bananas, carne de porco e medicamentos, herbicidas e fungicidas vão ser afetados, entre outros.
 
Contudo, essas são consequências para decisões tomadas no início do governo. Voltemos ao ano de 2016. Após o término da era kirchnerista, bem como a maioria dos mandatos de esquerda na América Latina, o avanço das políticas ultraliberais foi instantâneo e brutal. No período Kirchner existiam alguns mecanismos para obtenção de dólares por parte do governo, forma de conter a taxa de câmbio e o valor das importações, como uma taxa de exportação para os produtos primários – como grãos, oleaginosas e minerais – e a restrição de livre ingresso e saída de capitais em ativos externos.
 
Em outras palavras, seria conter o entreguismo da elite exportadora e o parasitismo financeiro que resultava na fuga de dólares para paraísos fiscais. Quando Macri assume, como bom amigo do mercado, essas taxas são anuladas e ele afirma que o otimismo do mercado faria os dólares chegarem de bom grado em investimentos para manter a estabilidade no país.
 
A realidade não foi bem essa. Com a falta de dólares no país, a taxa cambial tinha de ser controlada pela queima das reservas governamentais de dólares e o aumento da taxa de juros para os investidores apostarem no peso argentino – que até o momento está em 60%, a maior do mundo. O resultado foi, sim, uma chegada de investimentos, mas com o intuito de especular e extrair o lucro em dólares, do Banco Central argentino, sem um investimento concreto na produção ou em qualquer setor argentino. Quando a diversão acabou para os especuladores, pela certeza que os dólares do governo não seriam suficientes, “quem poderá nos salvar?” pensou Macri, quem mais senão o FMI.
 
As condições para o empréstimo de 50 bilhões nos próximos 30 meses – dos quais ainda faltam 12 – foram o ajuste fiscal do governo, com políticas de austeridade, para existir a possibilidade de pagar o crédito. Os técnicos do FMI não se distanciam dos antigos “arbitristas” da Coroa Espanhola, que surgiam com soluções radicais e messiânicas para a solução de crises nacionais, muitas delas catastróficas. Como a história nos conta, sabemos que os “arbitristas” não salvaram a Coroa Espanhola de perder seu império colonial.
 
Estas medidas não poderiam ser suportadas somente pelo governo sem a ajuda midiática para desnortear a opinião pública e os trabalhadores. Com a instabilidade se agravando o desvio dos olhares foi para o kirchnerismo, com vários nomes do antigo governo, incluindo mais recentemente a própria ex-presidenta, ligados a esquemas de corrupção, a mais recente novela chamada de “O rastro do dinheiro K”. Porém todos os olhos voltam à Mauricio Macri, que até o momento está recluso em Olivas, sobre quais serão seus próximos, e talvez últimos, passos.
 
O seu papel está cumprido. Os empresários, investidores e outros nomes para o capital financeiro especulativo parasitário conseguiram extrair os dólares que julgavam necessários e agora não precisam mais de Macri, e nem sequer da Argentina. As opções são poucas, realizar mais cortes governamentais e exonerar ministérios, tentar ganhar apoio de outros setores do congresso na tentativa de terminar o mandato, ou rezar para não ser preso por improbidade administrativa.
 
A questão é o povo argentino. No dia 31 de agosto mais de 500 funcionários foram dispensados do Ministério da Agroindústria, os preços nos mercados já disparam e  não tarda a faltar produtos de primeira necessidade, já que as grandes transnacionais (P&G, Unilever) não fornecerão os mercados com mais produtos, e os mercados não abrirão pelo mesmo motivo, instabilidade de preços e grande demanda para estoque massivo de insumos básicos.
 
A Central dos Trabalhadores Argentinos convocou uma greve geral para o final do mês de setembro e as manifestações tomam as ruas em direção da Casa Rosada, já cercada e militarizada. A jornada da Argentina está em um ponto de inflexão derradeiro, a mão passa contra o pêlo e deixa as feridas a mostra. A greve geral e as demais incitações contra a ordem ultraliberal decrépita, que se mantém a duras penas, serão também os atos que irão pôr à prova a casca desse putrefado sistema capitalista dependente e colonizado que debilita os seus hospedeiros latino-americanos que sobrevivem a duras penas. 
 
Toda força ao povo argentino, estamos con ustedes, hermanos.

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