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Cuba: La mayor de las Antillas

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Por IELA em 24 de novembro de 2016

Cuba: La mayor de las Antillas

 

Primeiras impressões de um viajante
Viajo a convite e em conjunto com uma delegação da FECESC, sindicalistas catarinenses em Cuba. Impossível não agradecê-los profundamente pela grande oportunidade. Na chegada, o translado do aeroporto até o hotel, no final da tarde, já é cheio de informações. Havana parou no tempo. Não viveu a última onda de “modernização” capitalista. Os prédios não têm portões, muros, câmeras de segurança ou vigias. A cidade é repleta de grandes espaços públicos recheados de crianças e jovens praticando esportes – futebol, baseball, vôlei, boxe, musculação e até mesmo bolinha de gude. Nas ruas, trabalhadores voltando para casa de seus trabalhos, pegando ônibus, caminhando ou andando de bicicleta. Nenhum outdoor luminoso fornecendo Nike, Coca-Cola, Brahma ou Luciano Huck. Painéis apenas denunciando o bloqueio econômico praticado pelos EUA contra a ilha caribenha e lembrando pensamentos dos heróis revolucionários. Nas ruas, inúmeros monumentos em homenagem aos ícones da rebeldia política e cultural de todo o mundo. Ao contrário do Brasil e de sua vida confinada entre muros, há intenso pensamento político, atividade cultural, vida social e práticas esportivas nas ruas de Havana.

Já o olhar do turista com cabeça de pequeno-burguês, consumista até a medula, só consegue perceber os carros antigos queimando diesel e os prédios sem pintura e restauração. Não vê o valor de uso de nada, apenas o valor de troca. A ilha sofre um bloqueio econômico dos EUA desde a década de 60. Cuba não pode realizar transações comerciais em dólar, não pode ter conta em bancos norte-americanos, não pode comercializar com os EUA que estão a menos de 300 km de distância. Precisa buscar produtos na Europa, Brasil ou China, mercados mais de 7 mil km distantes. Para um país que ainda vive as heranças coloniais e neocoloniais na sua economia, o impacto é tremendo. A pobreza econômica existe, há dificuldade no abastecimento de água, dificuldade na restauração dos edifícios antigos e construção de novos. Praticamente não existe carne de gado (apenas frango e porco), leite somente em pó, internet ainda de baixa qualidade. Mas se vive muito bem, com total garantia das condições mínimas de subsistência e amplo acesso a cultura, esporte, saneamento, educação e saúde. As famosas conquistas da revolução existem e o contraste com a situação brasileira é brutal.
 

A expectativa de vida em Cuba é de impressionantes 79 anos. Saúde de excelente qualidade para todos, baixos índices de violência e 94% da população coberta pelo sistema de saneamento básico explicam o fenômeno. O nível cultural das pessoas é alto. Conversando com os cubanos, desde funcionários do hotel, passando por malandros que vendem moedas com o rosto de Che Guevara nas ruas e chegando nos membros do Partido Comunista Cubano (PCC), todos têm consciência da sua história, ampla informação sobre o que ocorre no mundo e percepção crítica sobre os próprios problemas e dilemas. Não há analfabetismo, todos leem e escrevem. O número de pessoas com ensino superior é elevado, mas as oportunidades de inserção destas pessoas no mundo do trabalho em uma economia atrasada é uma grande restrição que traz fortes pressões internas.
 
Los demagogos e políticos de profesión, quieren obrar el milagro de estar bien en todo y con todos, engañando necesariamente a todos en todo. Los revolucionarios han de proclamar sus ideas valientemente, definir sus principios y expresar sus intenciones para que nadie se engañe, ni amigos ni enemigos.” Fidel Castro

O economista crítico em Cuba
Após as impressões iniciais, comecei a investigar mais profundamente o lugar em que estava. Cuba participava do CAME (Conselho para Auxílio Mútuo Econômico) até o final dos anos 80. Era beneficiada pelas relações de solidariedade econômica entre os países socialistas. Tinha na União Soviética um parceiro fundamental. Vendia a cana de açúcar a preços muito maiores do que os de mercado para lá e comprava todos os tipos de produtos industrializados – Havana é repleta de Ladas, os automóveis soviéticos. A ilha sempre tentou se industrializar. Fidel já havia escrito da necessidade disto na clássico “La historia me absolverá”. Após a revolução, Che Guevara assumiu como ministro da economia para buscar este objetivo estratégico. Os esforços deram resultados em várias áreas, como o setor de biotecnologia, por exemplo. Cuba produz tecnologia de ponta no desenvolvimento de vacinas, remédios e técnicas médicas. Entretanto, o bloqueio restringiu todos estes esforços e a queda da União Soviética decretou o início do período especial, de grande privação econômica para os cubanos.

A saída para resolver a forte restrição econômica, a ausência de divisas e a baixa capacidade produtiva foi a pior e única possível: a abertura para o turismo internacional. O turista tradicional, via de regra, é um ignorante com dinheiro. Não está interessado no valor de uso da experiência diante de uma outra cultura e realidade. Lhe interessa apenas o valor de troca de um “selfie” ou o de qualquer outra bugiganga produzida pela “indústria de artesanatos” – que belo nome, contraditório em essência e que expressa a mercantilização total das expressões culturais dentro de uma sociedade capitalista. Com o turista, vem o dinheiro graúdo. 1 CUC – moeda internacional de uso dos turistas – equivale a 24 Pesos Cubanos. A cotação é de 1 CUC para 1 Euro. Enquanto que os cubanos que não vivem do turismo recebem um salário baixo em Peso Cubano – lembrando que o acesso a subsistência, saúde, educação, etc. é gratuito -, aqueles que vivem em torno dos estrangeiros têm acesso às gordas gorjetas, aos negócios obscuros (uma caixa de charuto Cohiba na mão de um taxista estava 80 CUC, na loja oficial: 350 CUC), a prostituição, aos pequenos golpes, etc. Lembrando que toda economia voltada para o turismo internacional é assim, nenhuma exclusividade dos cubanos aqui.

Este mercado paralelo de moeda estrangeira vai infiltrando os valores do capitalismo na sociedade cubana. Quem vive do turismo, desde os anos 90 tem renda maior que a média dos cubanos. No hotel, uma camareira com curso superior de odontologia. Um taxista formado em história. Trabalhar com o turismo dá mais dinheiro. Com mais dinheiro, se tem acesso a bens importados que não fazem parte do consumo usual dos cubanos. Smarthphones (primeiro produto liberado pelos EUA para exportação a Cuba, como são inocentes os gringos…),, televisores, antenas de TV por satélite e até mesmo alguns poucos carros novos. Além disso, ao contrário das mentiras contadas no Brasil e no mundo, qualquer cubano pode viajar para fora do país. Alguns passaram a ter condições financeiras de visitar seus parentes residentes no gigante do norte, visitas estrategicamente organizadas pelo Estado norte-americano, mostrando ao cubano o brilho do ouro.

Para os mais velhos, que viveram a revolução e os avanços bruscos nas condições de vida da população, o poder de sedução do brilho do ouro é pequeno, porém existe. Para os mais jovens, que veem como natural as conquistas da revolução, a sedução é maior. Neste flanco aberto, o império avança com sua indústria cultural. Os cubanos mais jovens escutam reggeaton como os brasileiros escutam sertanejo universitário. As letras e clipes musicais, que infestam os smarthphones, vendem a ostentação como ideal de vida. Mercantilizam a mulher e reforçam o ideologia narcísica do individualismo capitalista. As influências do capital estão presentes desde sempre em Cuba, é verdade. Porém, o turismo acelera o processo.

Ao mesmo tempo, este mercado paralelo de moeda estrangeira vai se acumulando em uma espécie de sistema financeiro informal. O Estado cubano sabe disso. Aliás, mais um mito derrubado, não existe restrição em torno deste debate em Cuba. Conversei tranquilamente sobre todos estes problemas com os membros do PCC com quem pude conviver. Todos têm plena consciência dos seus dilemas, muito diferentemente da defesa cega de um governo popular, como visto recentemente no Brasil. O exercício da crítica, com clareza e compromisso, é algo usual aos cubanos. A questão é: o que fazer com este capital-dinheiro que se acumula em mãos privadas? Diversificar os regimes de propriedade e direcionar investimentos em áreas de interesse da nação, está é a estratégia do Estado cubano. Cuba não é mais uma economia de controle apenas estatal. Apesar disso continuar na cabeça dos idiotas brasileiros leitores de Veja, ficou no passado.
Existem cinco regimes de propriedade no país: 1) o estatal (as principais indústrias e setores estratégicos continuam em mãos do Estado, organizado sobre o poder popular institucionalizado na Constituição de 1976); 2) o regime privado, que começou com os restaurantes em casas de famílias, mas hoje já cresceu em proporção, com forte uso de mão de obra assalariada; 3) a nova figura do “conta propista”, uma espécie de micro empreendedor individual cubano; 4) a experiência recente do regime de cooperativas não agropecuárias, que também permitem o assalariamento e; 5) a experiência mais recente ainda das zonas econômicas especiais (ZEE), abertas ao capital multinacional em projetos delimitados pelo Estado cubano (o tão famoso porto de Mariel e os fabulosos lucros da Odebrecht entram neste novo regime).
A estratégia é desenvolver a ilha economicamente. Se utiliza do sistema financeiro interno informal, trazido pelo turismo, para impulsionar o crédito às pequenas atividades (propriedade privada e cooperativas), tentando dar eficiência produtiva aos inchados quadros burocráticos administrativos cubanos. Se acessa o financiamento internacional para desenvolver as zonas econômicas especiais. E, através dos capitais trazidos pelas multinacionais e do menor peso para o Estado que deixa de controlar setores de importância secundária (comércio varejista, gastronomia, pequenos serviços de reparação, etc.), busca-se desenvolver os setores estratégicos (energia, produção açucareira, infra-estrutura, etc.). Também há capital privado estrangeiro fora das ZEE, o Estado define projetos e abre para financiamento internacional. Toda a região de Havana Vieja está em restauração com o auxílio de capitais holandeses, franceses, alemães, etc. Aí está a pressão interna nos próprios EUA pelo fim do embargo, os capitalistas gringos estão ficando de fora desta grande festa do capital celebrada em solo cubano.

Este desenvolvimento econômico, em regime de propriedade mista, também visa aumentar os rendimentos dos cubanos que não fazem parte do mercado turístico. Aqui também não cabe romantismo, os maiores beneficiados deste processo, os novos empresários, são os amigos de parte da forte burocracia estatal cubana, processo comandado pela corrupção que existe em qualquer sociedade que ainda não superou plenamente a propriedade privada dos meios de produção. Entretanto, o controle do Estado sobre o processo é total. Com a unificação cambial, que está em marcha acelerada, o Estado eliminará em uma canetada o mercado paralelo de moeda estrangeira. Com as ZEE e os projetos aprovados, direciona o desenvolvimento nacional. Totalmente diferente da vergonhosa subordinação plena do Estado brasileiro aos ditames do capital imperialista internacional. Quando critico as contradições cubanas, não tenho nenhum objetivo de defender a canalha burguesa. Critico aquilo que acredito ser contraditório no caminho da construção necessária do comunismo mundial.

 
O que será de todo esse processo? Uma reconversão capitalista plena, uma economia de forte controle estatal ou mais uma etapa da revolução cubana em direção ao socialismo… só a história e a luta diária dos cubanos dirá. Os apologistas do capital sorriem ao ouvir que há propriedade privada em Cuba, mas não se enganem. O Estado comandado pelos revolucionários que venceram em 1959, alicerçados no poder popular, continuam no comando. Desde o assalto ao Quartel Moncada em 1953, demonstraram permanentemente ao mundo a sua capacidade de criar em meio às adversidades. Souberam permanecer como trincheira do socialismo mundial mesmo com a derrocada soviética. E sempre é bom lembrar, um novo período revolucionário mundial se abriu após a crise de 2008. Nada impede que novas revoluções nacionais surjam no mundo capitalista, cerrando fileiras com os cubanos e redirecionando o seu processo de desenvolvimento econômico e social.
Uma ilha de conquistas emocionantes
Passado o deslumbre e o choque inicial, superado o ceticismo do economista, as experiências em Cuba se acumulam e a sensibilidade humana passa a dominar o julgamento. Nada mais acertado para o melhor entendimento de uma nova realidade. O verdadeiro cientista social – revolucionário por natureza – é aquele que se aproxima do objeto de estudo. Se aproxima com somente aquilo que tem a disposição: seus sentimentos baseados em suas próprias experiências. Aquele que se afasta, na posição do observador “neutro”, do técnico, não passa de um charlatão. E o povo cubano e suas conquistas são impressionantes. Não falo de seres humanos e instituições supostamente perfeitas. Isso só existe na fantasia infantil que habita a cabeça de alguns beatos, muitos deles convivendo dentro da esquerda. Lembrando Trotsky, “entre os santos, tal como a Igreja os pinta, e os diabos, tal como os pintam os candidatos à santidade, situam-se os homens que vivem: são eles que fazem a história.
Fidel Castro, em sua famosa defesa após a prisão no Assalto ao Quartel Moncada em 26 de julho de 1953, já anunciava quais eram os problemas cubanos que o movimento revolucionário visava resolver:
“El problema de la tierra, el problema de la industrialización, el problema de la vivienda, el problema del desempleo, el problema de la educación y el problema de la salud del pueblo; he aí concretado los seis puntos a cuya solución se hubieran encaminado resueltamente nuestros esfuerzos, junto con la conquista de las libertades públicas y la democracia política.”  Fidel Castro

Aí já estavam identificadas as promessas da revolução que seria vitoriosa em 1959. E o que se pode constatar, ao contrário do que dizem os detratores da revolução cubana e do seu principal comandante, é que a revolução triunfou grandiosamente em alguns dos seus objetivos e parcialmente em outros. Aí está a reverência dos cubanos a Fidel Castro, o comandante que nunca mentiu em relação aos seus propósitos.
Reforma agrária, já!
O problema da terra foi totalmente resolvido. Os latifundiários foram eliminados da economia cubana sem vacilação (ah… que inveja para um brasileiro). O governo revolucionário, já no final dos anos 50, teve como primeira medida a realização de uma grande reforma agrária. Todos na ilha passaram a ter acesso a terra para o cultivo. O Estado assumiu o controle e o direcionamento da produção, mas os agricultores passaram a ser proprietários das suas próprias terras. E, apesar da cana continuar sendo a principal cultura da agricultura cubana até hoje, houve enorme diversificação de cultivos, assegurando uma mínima soberania alimentar para o povo.
A mudança foi tão drástica que o problema da terra cubano agora é outro. Há enorme carência de mão de obra para o cultivo. O grau de educação é elevadíssimo e os filhos dos agricultores não permanecem no campo, preferindo as atividades urbanas. Por outro lado, o bloqueio norte-americano dificulta enormemente a introdução de novas tecnologias de cultivo, que diminuiriam a necessidade de mão de obra. Assim, hoje Cuba vive o problema de ter terras subaproveitadas, majoritariamente no cultivo da cana, que ainda é o principal produto agrícola de exportação.

Já a soberania alimentar foi garantida com diversas medidas. Uma delas é o controle do Estado sobre o que deve ser produzido, de acordo com o planejamento central que visa atender as necessidades de todos os cubanos. Planejamento que é uma grande conquista da experiência socialista em Cuba, mostrando o tamanho da irracionalidade capitalista, onde a riqueza é abundante e a pobreza também. Impossível não se admirar com a capacidade dos cubanos de fazer muito com pouquíssimos recursos. Outra medida fundamental é a existência de hortas comunitárias no centro das cidades. Andando por Havana, era comum encontrar grandes hortas no meio de zonas residenciais. Mais um avanço gigantesco da experiência socialista cubana no sentido de eliminar a contradição entre campo e cidade.

Industrialização, moradia e desemprego: avanços e contradições do “socialismo em um só país”
O problema da industrialização, por sua vez, é o de maior dificuldade de ser resolvido. Cuba, apesar de ser “la mayor de las Antillas”, é uma ilha de poucos recursos econômicos. Herdou uma estrutura neocolonial, latifundiária e de baixíssimo desenvolvimento manufatureiro. Adquiriu como represália ao processo revolucionário um bloqueio econômico permanente e violento. Foi preciso criar tudo. Muito não pôde ser feito. Mas, comparado com o período neocolonial, os avanços foram grandiosos. Entre 1960 e 1975, Cuba simplesmente triplicou o tamanho da sua indústria nacional.
Destaco duas experiências espetaculares, uma de pequena e outra de enorme repercussão econômica e social. A pequena foi a indústria metal-mecânica que nasceu com o bloqueio. Cuba nacionalizou os automóveis de propriedade da elite norte-americana que utilizava Havana como um grande bordel. As ruas cubanas são repletas de Chevys dos anos 50, além de outras marcas e de alguns incríveis Cadilallacs gigantescos dos anos 40. Estatizados os carros, Cuba não priorizou a indústria automobilística depois disso, resolveu destinar esforços para a saúde e a educação, por exemplo (algo imperdoável para um brasileiro de classe média que prefere ter um carro zero a um serviço de saúde e educação decentes). O bloqueio impediu a importação de peças para reposição destes veículos e a criatividade cubana foi tremenda. É possível encontrar, ainda hoje, pequenas oficinas de produção de peças de reposição para os velhos dinossauros das ruas. Garagens de casas com pequenos tornos mecânicos, um verdadeiro “artesanato automobilístico”.
Já a experiência de grande repercussão é o desenvolvimento do setor de biotecnologia em Cuba, principalmente a partir dos anos 80. Experimento coordenado e impulsionado pelo Estado revolucionário. Perceberam o potencial da biodiversidade cubana aliado com o alto grau de desenvolvimento humano na área médica e implementaram um programa único no mundo. Único, em primeiro lugar, por que não visa a produção de remédios e vacinas para finalidade comercial. O tamanho do sucesso de um medicamento é medido pelo grau de eficácia na resolução dos problemas sociais. Cuba desenvolveu, a despeito do bloqueio econômico, mais de 20 vacinas contra inúmeras enfermidades e epidemias tropicais (como a dengue, por exemplo). A ilha do caribe é referência mundial no tratamento de cânceres. Desenvolveu uma vacina de aplicação contínua que ainda não cura o câncer de pulmão, mas concede 10 anos de sobrevida com qualidade ao paciente – ah… como gostaria de ter vivido mais 10 anos com meu pai, falecido de câncer de pulmão quando eu ainda tinha 9 anos. Criou um tratamento único no mundo que acaba com a necessidade de amputação das extremidades corporais de pacientes com diabetes. Não à toa o cubano tem a segunda maior expectativa de vida de toda a América, perdendo apenas para os canadenses e superando os agressores de Miami.
Os problemas neocoloniais da moradia e do desemprego foram totalmente resolvidos após a revolução. Os cubanos viviam até 1959 em condições deploráveis. Barracas improvisadas sem qualquer saneamento básico e muitas vezes sem luz elétrica. Aluguéis abusivos, quase ninguém era proprietário da sua própria casa. Isso acabou e é possível constatar isso conversando com qualquer cubano. Todos têm casa própria. Havana tem 100% de cobertura de saneamento básico. A luz elétrica chega para todos também. A revolução resolveu em poucos anos o problema da moradia, sem vacilações. O problema hoje é outro. As restrições econômicas impedem a ampliação das moradias existentes. As famílias cresceram e, em algumas casas, convivem 3 gerações de cubanos sobre o mesmo teto. Isso influencia diretamente na taxa de natalidade cubana, baixíssima. Quando se alia isso ao elevado grau de educação sexual dos cubanos, a situação se torna muito complicada. A previsão é que em 2026, mais cubanos morram durante um ano do que os que nascem. Enfim, problemas de uma sociedade avançada sobre uma base econômica ainda atrasada. Mas olhemos para a nossa realidade brasileira. Aquilo que os cubanos resolveram nos anos 60, nós ainda convivemos no ano de 2016.
Por sua vez, o desemprego praticamente não existe em Cuba. As taxas são muito baixas e praticamente estáveis durante longos anos. O Estado não permite o desemprego. A revolução cubana implementou uma forte ética de valorização do trabalho. São inúmeros os discursos de Fidel e Che reforçando este caráter. Permitir o desemprego seria acabar com a estabilidade do regime. Cuba, no período neocolonial, tinha 600 mil desempregados. Para aqueles que trabalhavam na plantação e colheita da cana (500 mil cubanos), a situação não era melhor. Tinham emprego durante 4 meses e ficavam sem nada durante o restante do ano. Os 400 mil trabalhadores urbanos não tinham situação melhores. Baixos salários, alta jornada de trabalho, mínimos direitos sociais e condições de vida deploráveis. A revolução resolveu o problema do desemprego. Exigiu esforço redobrado dos trabalhadores nos primeiros anos, é verdade. Mas hoje todos têm trabalho e direitos garantidos.
A atividade sindical em Cuba é livre, mesmo que comprometida com a defesa da revolução. Os dirigentes sindicais se organizam em conselhos de fábrica (ou local de trabalho), sindicatos por região e categoria econômica e em uma central sindical. Muito semelhante a estrutura sindical brasileira. O cubano tem direito a férias semestrais de 24 dias, um salário mínimo de 380 Pesos cubanos (muito baixo, porém o custo de vida também é baixo e o Estado assegura o atendimento básico gratuito) e não pode ser demitido. Se houver necessidade de fechamento de uma planta industrial, por exemplo, o trabalhador recebe 70% do valor do seu salário enquanto não for realocado em outra atividade.
Como dito anteriormente, o salário em Cuba é baixo, o que lança muitas pessoas ao mercado do turismo. A saída recente que o Estado utilizou para combater essa migração foi abrir as pequenas atividades para a iniciativa privada. Os paladares (nome inspirado na novela brasileira Vale Tudo; os cubanos são apaixonados pelas novelas globais), restaurantes em casas de famílias que cada vez mais se assemelham a restaurantes privados comuns, foram um primeiro experimento neste sentido. Visitamos a região de Artemisa, onde um experimento recente é realizado pelo Estado cubano. O modelo é o de cooperativas de trabalhadores. Foi dado aos trabalhadores do comércio e dos serviços, de empresas com até 22 trabalhadores, a possibilidade de montarem cooperativas privadas para gerenciar a atividade. Os trabalhadores passam a realizar assembleias mensais para discutir os rumos da empresa. Podem contratar mais trabalhadores assalariados que, após 90 dias de trabalho, podem ou não passar a fazer parte da cooperativa. Sempre mediante decisão da assembleia.
O modelo é novo e, na visão oficial do Estado cubano, visa dar eficiência produtiva ao atendimento mais direto das necessidades da população e elevar os salários, que chegam a alcançar quase 1000 Pesos cubanos. Visitamos um restaurante que passou a atuar neste regime há algum tempo. Somado aos novos regimes privados já liberados, a impressão inicial é de uma reconversão silenciosa ao trabalho assalariado e às suas mazelas. Entretanto, o controle do Estado é total e somente o futuro dirá o resultado de tudo isso.
Saúde e educação: um brasileiro envergonhado em Cuba
Chegamos à educação e saúde, conquistas grandiosas da revolução. Antes da vitória da guerrilha, o analfabetismo dominava a ilha. Menos da metade das crianças cubanas estavam nas escolas. As escolas que existiam era terríveis. Professores não recebiam e trabalhavam apenas por amor às pobres crianças maltrapilhas. O sistema de ensino superior era semelhante ao brasileiro, formava bacharéis apenas para dar diferenciação social aos filhos da elite. Ausência total de vínculo com os reais problemas da nação.
Cuba mostrou claramente aos reformistas, oportunistas de plantão, que não é a educação burguesa que muda a vida do povo. É a revolução que muda a educação e as necessidades sociais, subverte suas bases para que, aí sim, a educação possa cumprir o seu papel libertador e mudar a vida do povo. A ilha inteira foi alfabetizada nos primeiros anos após a vitória da revolução. Dom Quixote de la Mancha, maior ícone da literatura hispânica, é personagem presente em todos os cantos de Havana. Monumentos lhe rendendo homenagens nas praças e ruas. Artesanatos à venda com o personagem em destaque. Não é a toa. O governo revolucionário cubano, quando erradicou o analfabetismo na ilha, presenteou cada cubano com um exemplar da obra de Miguel de Cervantes. Que diferença dos governantes alinhados ao capital, que reforçam a ignorância de seu povo como política de dominação!

A escola básica cubana é gratuita para todos e em tempo integral. Não há ensino privado na ilha. As crianças e jovens dedicam meio período ao estudo das disciplinas regulares e o outro meio período às práticas esportivas, artísticas e culturais. Não é por acaso que a população cubana é admiravelmente culta. O ensino superior também mudou radicalmente após a revolução. Deixou de ser catedrático e de costas para o povo e passou a ser voltado para as necessidades da construção do socialismo em Cuba. O estudo passou a se articular ao trabalho. Não ao trabalho voltado para o enriquecimento individual. Mas sim ao trabalho voltado para o atendimento da população. O número de formados é enorme. Só os médicos formados em Cuba que atuam fora da ilha, em convênios com outros governos, são impressionantes 60 mil.

Os problemas existem, principalmente em função dos limites econômicos e de alguns males da experiência socialista em um só país. O excesso de centralismo burocrático, como bem disse em um antigo discurso o atual presidente Raúl Casto, formou muitos historiadores, sociólogos, filósofos, economistas, arquitetos, etc. e poucos engenheiros, cientistas da computação, técnicos industriais, etc. Há falta de mão de obra especializada para enfrentar o novo panorama produtivo. O ensino de Cuba, com as reformas econômicas que vêm comprimindo o tamanho da burocracia estatal está se redirecionando. Abrem-se vagas em carreiras voltadas diretamente à produção, com um incentivo especial aos cursos técnicos profissionalizantes. Reflexo das zonas econômicas especiais, dos “conta propistas” e do direcionamento do capital estrangeiro para grandes obras industriais e de infra-estrutura.

Na saúde os avanços são ainda mais impressionantes. Já relatei o que significou o avanço tecnológico no setor de biotecnologia para o povo cubano. Mas o que impressiona mais fortemente em Cuba são as saídas “humanizadas” para os problemas, aquelas que apontam claramente para as formas de sociabilidade do futuro comunista que certamente virá. O atendimento básico de saúde para a população é algo disso. Fim do médico mercenário, mercador de vidas humanas – exemplar típico da medicina brasileira. E valorização do médico que se insere verdadeiramente na sociedade.
 

Cuba baseia todo seu sistema de saúde na medicina preventiva. Aquela que evita a doença ao invés de lucrar com a venda do remédio. A ilha tem 1 médico para cada 1200 habitantes. Isso sem levar em conta os 60 mil médicos que estão no exterior. Visitamos um consultório médico da família e uma policlínica. O consultório da família que visitamos ficava localizado em uma sala dentro de um bloco de edifícios residenciais. Uma médica e uma enfermeira atendiam em torno de 300 famílias, todas morando ali mesmo. As próprias profissionais da saúde moravam ali. Conheciam pelo nome todos os seus pacientes. Parte da semana atendem no consultório e outra parte visitam os moradores em suas residências. Funcionavam também como agentes sanitárias, averiguando as condições de proliferação de mosquitos transmissores de doenças, por exemplo.
Em Cuba se entende que a doença é causada por inúmeros fatores. Não apenas o fator biológico, mas também o fator social, familiar e psicológico têm papel determinante na causa de doenças. Somos seres sociais, e não máquinas corpóreas como pensam os médicos brasileiros. A médica tinha um cadastro detalhado de todo o histórico dos moradores do local onde ela atua. Sabia até mesmo se a família tinha animais de estimação dentro de casa. A doença é permanentemente evitada, o médico faz parte da vida comunitária. A simples superação das relações mercantis e substituição pelas relações humanas, mesmo com poucos recursos, já são suficientes para mudar radicalmente a qualidade de vida das pessoas.

Para os casos mais graves, o paciente é direcionado para as policlínicas. Onde se recebe um atendimento tão humano quanto nos consultórios das famílias. A policlínica conta com aparelhos mais sofisticados, no caso da necessidade de exames mais aprofundados. Mas o grosso do atendimento é feito nos consultórios e nas casas das famílias, apenas com um estetoscópio nas mãos e o amor pelo paciente. A prevenção é colocada em primeiro lugar. Em caso de necessidade de cirurgias ou tratamentos de maior complexidade, Cuba tem um terceiro nível de atendimento, os hospitais especializados. Todas as especialidades são atendidas. Cardiologia, neurologia, oncologia, etc. A Organização Mundial da Saúde reconhece Cuba como referência mundial em sistema de saúde. Não é por acaso. Com poucos recursos é possível fazer muito pelas pessoas. Vitória da revolução e do fim da propriedade privada.

Revolução e soberania nacional
Por fim, os revolucionários do Movimento 26 de julho lutavam por liberdades públicas e democracia política. Cuba viveu toda sua história antes da revolução sob domínio primeiro espanhol e depois norte-americano. Primeiro como colônia espanhola, a ilha desde o século XVI foi transformada em um grande latifúndio de cana e de tabaco. Como em toda a América, o genocídio indígena e o tráfico de escravos africanos definiu a composição da sua força de trabalho. Era também um ponto estratégico no domínio das rotas comerciais do Caribe. Os espanhóis tinham em Havana uma cidade fortificada para defender as riquezas saqueadas de toda a América Central, das ilhas do Caribe e do México dos ataques de piratas apoiados pelos governos ingleses, holandeses e franceses.
Com a influência das revoluções burguesas europeias, da revolução industrial inglesa, da derrocada da coroa espanhola e do fim do mercantilismo, além da forte influência do processo revolucionário do país vizinho: Haiti, Cuba passou a viver um forte movimento independentista armado desde a metade do século XIX. O movimento teve três fases. Foi inaugurado pelo advogado Carlos Manuel de Céspedes em 1868, porém derrotado pelos espanhóis. Na sequência, o grupo de José Martí tentou nova independência armada em 1895, novamente derrotada, tendo seu herói morto em campo de batalha. Por fim, as lutas se estenderam permanentemente e, no início do século XX, quando já não era mais possível sustentar o domínio espanhol, os EUA utilizam do seu enorme oportunismo e, com a desculpa de auxiliar os cubano em sua independência, ocuparam militarmente Cuba. Cuba proclama a república sob intervenção do gigante do norte. Adiciona em sua nova constituição a Emenda Platt, que concedia aos EUA o direito de intervir na ilha sempre que isso fosse de seu interesse. Cuba proclama a independência da Espanha para se tornar uma espécie de protetorado dos EUA. A soberania nacional novamente é negada ao povo cubano.
Durante o período de domínio político imperialista dos EUA, Cuba reforçou seus aspectos econômicos, sociais e políticos atrasados. Num processo acelerado de concentração da terra, 70% da safra da cana era de domínio dos proprietários estadunidenses. Havana passou a ser um paraíso fiscal e turísticos para a máfia norte-americana. Um verdadeiro bordel dos mafiosos, como mostram cenas memoráveis do filme “Poderoso Chefão – parte 2”. A miséria da população contrastava violentamente com a riqueza e ostentação da elite cubana e, principalmente, da elite norte-americana. O período republicano foi atravessado por golpes e ditaduras. Os ideais de libertação nacional permaneceram vivos entre a população, principalmente os jovens universitários em Havana. Sempre que a pressão popular crescia e desafiava m

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